Título: PPP e investimento direto
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2004, Brasil, p. A2

Num mundo caracterizado por uma concentração dos investimentos diretos em poucos países, é importante compreender quais são os fatores que levam à escolha dos hospedeiros e quais os que estimulam a sua saída. O problema é da maior importância para o Brasil. Nos últimos 10 anos controlamos o processo inflacionário mas não fizemos o ajuste correto. Em lugar de uma reforma tributária moderna e eficiente que complementasse um corte profundo e seguro das despesas públicas, o governo transigiu sistematicamente, produzindo um equilíbrio instável que manteve a economia num regime de baixo crescimento e extrema dependência externa. Terminamos 2002 numa situação delicada, com um crescimento real do PIB de apenas 1,9% e uma inflação anual de 26,4%, quando medida pelo IGP-DI, e de 12,5% quando medida pelo IPCA, que é objeto das metas inflacionárias, com os seguintes indicadores:

Esse é o quadro de uma armadilha com dez dimensões que tornava muito difícil qualquer manobra menos cuidadosa do novo governo. A política econômica da octaetéride fernandista foi sempre de "empurrar com a barriga" os problemas, usando expedientes como aumentar a carga tributária e a dívida líquida do setor público, que chegaram a níveis perigosos. Tão perigosos que a Academia (nacional e internacional) e o FMI, com a preciosa ajuda de renomados "tarometristas", encontraram uma nova constante universal para a economia brasileira: a relação dívida líquida/PIB deveria manter-se abaixo de 56% e mostrar uma tendência monotonicamente decrescente para que o governo conseguisse financiar-se à absurda taxa de juro vigente! Felizmente, essa relação, depois de chegar em 2003 ao nível de 58,7%, deve terminar 2004 em torno de 53,7% O mesmo está acontecendo com os outros números da tabela, sem exceção. De qualquer maneira, enquanto não enfrentarmos seriamente o problema de corte de gastos de custeio (nos três níveis de governo, inclusive a Previdência) e uma reforma tributária inteligente que estimule mais a produtividade e reduza a carga tributária que, combinados garantem um equilíbrio fiscal crível, duradouro e expansionista, não voltaremos ao crescimento robusto que precisamos. É muito difícil que mesmo esse "ajuste" (que vai demorar) contemple investimentos significativos dos governos em infra-estrutura. Isso significa que teremos mesmo de nos apoiar no mecanismo de Parceria-Pública-Privada, que é o instrumento para atrair investimento estrangeiro. É preciso, portanto, acelerar a sua aprovação e incentivar o bom funcionamento das agências reguladoras. Em outras palavras, é preciso criar condições atrativas para o investimento direto privado. De que ele depende? Nos últimos 10 anos, a China recebeu mais de US$ 500 bilhões de investimentos diretos de chineses não-residentes, taiwaneses, americanos e japoneses. O Fórum Econômico Mundial (sob a orientação do professor Michael Porter) produziu uma comparação entre a atratividade da China e do Brasil para o investimento direto estrangeiro. Os investimentos na China beneficiam-se de amplo fornecimento de crédito, de uma taxa de câmbio há muitos anos sub-valorizada e, mais recentemente, de taxas de juros reais extremamente baixas, freqüentemente negativas. No estudo do Fórum, dos 20 itens analisados, empatamos em quatro, ganhamos em sete e perdemos em nove. Esses últimos são extremamente dependentes de uma ação ativa do governo, o que o Brasil até agora recusou-se a fazer (simplificação tributária, subsídios para pesquisa e desenvolvimento, qualificação da mão de obra etc). O fator mais importante para a atração do investimento direto é a dimensão e a duração do próprio processo de desenvolvimento. Um interessante texto para discussão (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, março de 2004, nº 1016) dos economistas Marcelo Nonnenberg e Mario Mendonça ("Determinantes dos Investimentos Diretos Externos em Países em Desenvolvimento) analisa o problema numa amostra que incorpora 33 países, num período de tempo que vai de 1975 a 2000 e confirma o que foi dito. Ele mostra a importância da taxa de crescimento do PIB (que é o estímulo para a demanda dos novos investimentos); da grandeza do PIB (dimensão do mercado interno); da escolaridade da mão-de-obra e do estado de "prosperidade" dos investidores (índice Dow-Jones). E aponta para um fator crítico, a taxa de risco do país hospedeiro. Esta, por sua vez, como sabemos por outras fontes, depende da relação dívida líquida/PIB. A conclusão é que acelerar o crescimento, diminuir a vulnerabilidade externa (pelo aumento das exportações) e reduzir a dívida líquida/PIB (pela redução do déficit nominal) é o caminho que o Brasil deve seguir se quiser que o PPP frutifique com o investimento direto estrangeiro.