Título: Para Mark Mobius, 2012 será bom para as bolsas
Autor: Mobius, Mark
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2011, Investimentos, p. D3

A crise europeia deve ter uma solução em meados do ano que vem, o que abrirá espaço para as bolsas do mundo todo voltarem a subir. A expectativa é de Mark Mobius, especialista em mercados emergentes da Templeton Asset Management. Em visita ao Brasil - um dos 30 países por onde ele passou este ano - Mobius falou com o Valor e destacou que está confiante no crescimento dos emergentes, o que deve favorecer os setores de commodities. O Brasil, segundo o gestor, é hoje o principal país na carteira de ações de emergentes da Templeton, com 15% dos US$ 40 bilhões, ultrapassando a China, tradicional líder. No mundo, a Franklin Templeton administra US$ 700 bilhões em fundos, a maior parte concentrada nos EUA. Desse total, 15% estão em ativos brasileiros, incluindo ações e renda fixa. A seguir, a entrevista com Mobius:

Valor: Qual sua expectativa para a crise na Europa?

Mark Mobius: A crise europeia não é tão profunda e ruim quanto as pessoas pensam. Os países europeus estão agora em um processo de discussão, e isso leva tempo. Mas eu acredito que no próximo ano eles vão chegar a um acordo sobre como estabelecer uma disciplina fiscal, todos juntos e unidos. No meio do próximo ano nós veremos o euro em uma posição mais forte como moeda internacional. E ninguém vai deixar o euro. Também, deixar para ir aonde?

Valor: A solução deve sair no meio do ano que vem?

Mobius: Sim. Eles na verdade já estão perto de uma solução, mas precisam negociá-la, fazer os diversos países compreendê-la.

Valor: E haverá uma recessão?

Mobius: Não. O que deve haver é uma maior disciplina fiscal, e o Banco Central Europeu (BCE) vai liberar recursos para o mercado. O BCE tem dito que teme a inflação, mas também teme a deflação, que viria no caso de uma recessão profunda. Isso quer dizer que ele vai ter de lutar contra a deflação. Portanto, o impacto nos países emergentes não será significante, falamos talvez em uma queda de 1% nas taxas de crescimento da categoria para o ano que vem

Valor: Uma queda de só 1%?

Mobius: Sim. Veja o caso da China. O governo chinês quer desaquecer a economia. Então o crescimento deve cair para 8%. Mas não vejo um risco de um problema de desaquecimento mais forte na China neste momento. O que está acontecendo é que os mercados emergentes estão sendo vistos mais recentemente como um porto seguro pelos investidores. Eles devem crescer três vezes mais do que os outros países, têm reservas internacionais altas, baixo endividamento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e boa situação fiscal. Há uma combinação de fatores que mostram que esses países estão em bem melhor forma que os desenvolvidos. Mas continuaremos com essa incerteza no mundo ainda até o fim deste ano e, no próximo, vamos ver uma mudança de cenário mais positiva.

Valor: E os Estados Unidos?

Mobius: É onde, para mim, as coisas mais significantes estão ocorrendo. Porque com o enfraquecimento do presidente Barack Obama e o "Tea Party" (movimento ultraconservador) crescendo, os Estados Unidos devem caminhar para mais disciplina fiscal. O que, novamente, é muito bom. Vejo um crescimento modesto da economia americana no ano que vem. Mas o que o país precisa mesmo é de menos regulação, menos impostos e burocracia. E Obama está começando a entender isso. E ele talvez faça mudanças caso ganhe a eleição. Ele deve continuar. Os republicanos não têm um nome forte.

Valor: E a economia chinesa?

Mobius: Há uma série de preocupações sobre uma bolha no mercado imobiliário chinês. Mas não dá para comparar com o "subprime" americano. As taxas de poupança na China continuam muito altas, os bancos estão bem capitalizados e são controlados pelo governo e não deve haver problema. Claro, há excesso de construções residenciais em algumas regiões, mas isso não deve ser um grande problema. E a China deve continuar a crescer a taxas bem elevadas.

Valor: Então qual o principal risco dos mercados?

Mobius: O maior risco que temos é o mesmo que já vimos antes, os derivativos. O mercado de derivativos equivale hoje a dez vezes o PIB do mundo, US$ 600 trilhões, e nós aprendemos com a crise do "subprime" o risco que isso representa. Um dos motivos pelos quais a crise na Europa tem de ser resolvida é o volume de derivativos emitidos contra a dívida dos países. Os bancos estão cheios de "Credit Default Swaps" (CDS, títulos que transferem o risco de calote para outros investidores) contra as dívidas. Portanto, se você tiver um problema com a dívida europeia, ele terá o dobro do impacto, pelos derivativos. E todos seriam atingidos, pois um banco dá garantia para o outro para vender o papel.

Valor: Os investidores estão saindo dos mercados emergentes?

Mobius: Na verdade, estão saindo menos do que na crise do "subprime", em 2008. Tivemos saques, mas não expressivos. Quando as pessoas olham o passado e veem a recuperação dos mercados - e lembro que em 2009 demos um retorno de 89% - elas percebem que não faz sentido sair. Outro fator é que as pessoas percebem que, no longo prazo, deve haver mais inflação pois os bancos centrais estão todos tentando evitar uma deflação e em algum momento os preços vão subir, e as ações são a melhor opção para se proteger da inflação.

Valor: Quais países sofrerão mais com a inflação?

Mobius: Eu acho que será por toda parte. Será global. Porque a demanda dos paises emergentes por matérias-primas e alimentos continua crescendo em um ritmo acelerado. Então, os preços das commodities vão continuar pressionadas. É outra razão para procurarmos companhias com capacidade de definir preços, líderes de mercado. Como empresas de alimentos, que têm um bom poder de aumentar seus preços para manter margens e compensar o custo das suas matérias primas.

Valor: Quanto os emergentes devem crescer no ano que vem?

Mobius: Na média, deve ficar em 4%. As bolsas é que não se sabe quanto podem subir. Acredito que veremos uma recuperação no ano que vem. Neste ano, as bolsas de mercados emergentes ficaram abaixo da média. Então acho que no ano que vem elas devem recuperar.

Valor: Pode haver um rali no ano que vem nas bolsas?

Mobius: Pode sim. Se a Europa chegar a uma solução para sua crise de dívida, o mercado pode ter um grande rali. Apesar de as eleições nos EUA continuarem a acrescentar alguma incerteza no mercado. E as coisas também não são mais tão simples. Hoje não temos só Europa e EUA para nos preocuparmos, temos a China, temos o Japão, temos o Brasil, todos países importantes no mercado global. E a distribuição da riqueza nessas novas potências está aumentando a procura por commodities e bens.

Valor: Os preços das commodities vão subir?

Mobius: Não digo que vão subir, mas vão continuar pressionadas, com muitos altos e baixos. Temos um alto valor investido em derivativos ligados a commodities, temos, por exemplo, os ETFs (fundos vinculados a um índice com cotas negociadas em bolsa) que possuem elevados valores aplicados em commodities e seus derivativos. E há um grande volume de recursos no mercado que precisa de um destino e uma parte grande deve ir para matérias-primas.

Valor: E o Brasil nesse contexto?

Mobius: O Brasil é um mercado muito atraente. É uma economia diversificada, com grande variedade de commodities, e um grande mercado consumidor. Eu penso que o Brasil está em uma posição muito boa. É um pouco como os EUA, que podem se isolar das crises, pois têm um grande mercado consumidor, produz matérias-primas, têm indústrias e alimentos.

Valor: E a bolsa brasileira, como deve se comportar?

Mobius: Deve haver uma recuperação geral das bolsas. As pessoas vão concluir que os mercados emergentes são um porto seguro e vão buscar diversificação, colocando mais dinheiro nesses países, que estão crescendo mais que os outros. O conceito de risco também está sendo reorganizado. Não é mais certo dizer que bônus do Tesouro americano ou do governo alemão são papéis sem risco. A resposta portanto é diversificar, não só no Brasil, mas globalmente.

Valor: Quais setores têm maior potencial no Brasil?

Mobius: Acho que o primeiro é o de commodities, como minério de ferro, cobre e minerais. O segundo é petróleo e o terceiro, consumo. Pode ser varejo ou bens de consumo ou bebidas. Há uma grande e crescente população de consumidores no Brasil.

Valor: Quais ações de empresas brasileiras vocês têm em carteira?

Mobius: Petrobras, OGX, AmBev, Vale, Natura e Marfrig.

Valor: E quanto o Brasil representa em seu portfólio?

Mobius: O Brasil tem hoje o maior peso em nosso portfólio global, quase 15%. Mas isso depende do fundo. A participação brasileira cresceu. Não porque compramos mais ações, mas porque algumas ações brasileiras subiram mais, por isso passaram a ocupar um lugar maior. A China, que costumava ser a maior participação, está com 12%. Temos ativos de quase 40 países em nossa carteira.

Valor: Quais são os países mais atraentes hoje para investir?

Mobius: Nós costumamos olhar empresas, não países, mas estamos vendo oportunidades na Rússia, Tailândia, África do Sul, Nigéria, Vietnã, os chamados mercados de fronteira.

Valor: E quanto vocês têm hoje sob gestão?

Mobius: Na minha área, de mercados emergentes, US$ 40 bilhões, somente em ações, dos quais o Brasil deve ter uns US$ 6,5 bilhões. Claro que outros fundos globais da Templeton também têm papéis emergentes, talvez outros US$ 40 bilhões. Podemos falar então em US$ 80 bilhões em emergentes.