Título: Visita de chineses ao país evidencia dificuldades para negociar acordos
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2004, Brasil, p. A2

Discutir comércio e investimentos com os chineses está longe de ser uma negócio da China, como descobriram as autoridades brasileiras, em uma maratona de negociações com a delegação que acompanhou o presidente da China, Hu Jintao, em visita ao Brasil. Após horas de reuniões, em que ministros brasileiros chegaram a ameaçar sair da sala, e os chineses chegaram a levantar a voz, em tom ríspido, o Brasil reconheceu o status de economia de mercado para a China, criando restrições para barreiras comerciais brasileiras aos produtos chineses; e os dois países firmaram acordos que abrem o mercado chinês para carnes de frango e bovina do Brasil. O roteiro de viagem montado por Hu Jintao à América Latina teve papel importante para o sucesso da reivindicação chinesa, de reconhecimento do país como uma economia de mercado. Após sair do Brasil, amanhã, o presidente chinês vai à Argentina e ao Chile. Segundo um ministro brasileiro, o governo se viu ameaçado de endurecer na negociação com os chineses, frustrar os acordos comerciais em negociação e ver Hu Jintao firmar contratos vantajosos com os países vizinhos, o que levantaria severas críticas internas aos negociadores comerciais brasileiros. Hu Jintao ganhou a garantia, das autoridades brasileiras, de que será construído com os chineses o gasoduto Sudeste-Nordeste, obra de infra-estrutura fundamental para o abastecimento das termelétricas nordestinas e cobiçada pelos japoneses. O Brasil, após duras negociações, ganhou ainda a garantia de que a China Southern Airlines encomendará dez aviões ERJ 175 à fabrica que a Embraer criou na China, em parceria com a estatal chinesa AVIC 2. A preocupação da Embraer com a falta de encomendas para a fábrica e a pressão pelas compras da China Southern motivou um anexo ao memorando de cooperação assinado entre os dois países. O Brasil ganhou também o direito de certificar a carne bovina- inclusive miúdos - e de frango a ser exportada.

O governo tentou incluir, no reconhecimento da China como economia de mercado, ressalvas para assegurar o direito de impor medidas anti-dumping a certos setores industriais chineses. Mas a delegação chinesa foi irredutível. O Brasil conseguiu apenas recusar a reivindicação para considerar a China uma economia "plena" de mercado. A ausência do adjetivo deixa um espaço diplomático para criar restrições a importações chinesas fortemente subsidiadas. A decisão de considerar a China como economia de mercado obriga o Brasil a seguir as regras da Organização Mundial do Comércio ao analisar as queixas de produtores brasileiros contra importações chinesas. O primeiro setor afetado serão os fabricantes de canetas esferográficas no Brasil, única indústria com processo anti-dumping em curso contra os concorrentes chineses. Segundo técnicos do Ministério do Desenvolvimento, os fabricantes da China poderão exigir, agora, que o Brasil, colete e compare os preços internos da China para decidir se os produtos importados estão sendo vendidos no Brasil abaixo de seu preço normal. Diplomatas argumentam que, apesar de frustradas em sua tentativa de criar salvaguardas contra importações chinesas, as autoridades brasileiras têm, na OMC, regras que permitem impedir concorrência desleal dos chineses. A OMC permite desconsiderar os preços internos do país quando o mercado local é monopolista, ou as informações não são consideradas confiáveis. Autoridades brasileiras já esperam uma reação negativa dos setores tradicionalmente ameaçados pela concorrência da China, como eletroeletrônicos, têxteis e brinquedos (esses últimos hoje protegidos por medidas de salvaguarda -tarifas altas de importação). Paralelamente às declarações de "parceria estratégica" , dos presidentes dos dois países, técnicos e ministros negociadores brasileiros e chineses tiveram conversas tensas, em que a assinatura dos acordos chegou a ser ameaçada. Na noite de quinta-feira, o ministro do Desenvolvimento, Luis Furlan, e o das Relações Exteriores, Celso Amorim, até repreenderam a vice-ministra do Comércio chinesa, Ma Xiuhong, que reagiu, em voz alta e tom agressivo, aos argumentos da delegação brasileira. Furlan ameaçou sair da sala de reuniões devido à agressividade da ministra chinesa, que foi convidada a deixar o recinto por seu superior, o ministro do Comércio Bo Xilai.