Título: Relações perigosas de Erenice no DF
Autor: Rizzo, Alana; Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 16/09/2010, Política, p. 2

Área de atuação da ministra da Casa Civil se estende a altos cargos na administração pública da capital. Filho dela, pivô de denúncias de tráfico de influência, é lotado na Terracap, mas, segundo funcionários, não aparece

Israel Dourado Guerra, filho da ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, é funcionário da Terracap, empresa vinculada ao Governo do Distrito Federal, mas não aparece por lá. Suspeito de comandar um esquema de lobby que envolve a ministra, ele é servidor comissionado da Diretoria de Prospecção e Formatação de Novos Empreendimentos desde dezembro de 2008, só que não costuma dar expediente no departamento. A atuação do filho mostra que a área de influência da ministra-chefe da Casa Civil estende-se para além do governo federal e chega ao DF. Sua família está em postos-chave na Novacap, já ocupou funções na UnB e nas seguidas administrações locais desde 1994, quando ela era chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública.

A diretoria em que Israel está lotado na Terracap é responsável por liberar ocupações de solo, como os projetos no Noroeste, novo bairro do Plano Piloto, e explorações de recursos naturais no DF. Coincidentemente, a extração de minério é o objeto social da empresa Matra Mineração, de José Roberto Camargo Campos, marido de Erenice. A Matra pesquisa minério de calcário em Planaltina (GO) e teve 14 multas arquivadas pelo governo (leia na página 4).

O departamento foi criado há dois anos para abrigar o engenheiro civil Marcus Vinícius Souza Viana, cujo padrinho é o senador Gim Argello (PTB-DF), político que se diz muito amigo da chefe da Casa Civil e da presidenciável Dilma Rousseff (PT). Ele sempre teve interesse no setor imobiliário. Começou como corretor de imóveis em Taguatinga.

Israel assumiu o cargo de assessor pouco tempo depois que a diretoria foi criada. O cargo comissionado rende R$ 6,8 mil por mês. O filho da ministra era desconhecido de boa parte dos funcionários da empresa até ocupar os noticiários. Apenas integrantes do alto escalão sabiam que Israel estava na folha de pagamento do GDF. Entretanto, localizá-lo não é fácil. No Cadastro Geral de Servidores, disponível para diretores de Recursos Humanos da administração pública, faltam dados como o CPF. Outros estão errados: Israel consta como pessoa do sexo feminino.

Nem sinal

Ontem, na Sala 107 da Terracap, uma pilha de processos estava colocada milimetricamente sobre a suposta mesa de Israel. A cadeira estava encostada. Nenhum sinal do filho da ministra. A diretoria de RH informou que ele pediu, na última segunda-feira, abono assiduidade, garantindo assim cinco dias de folga. O benefício está previsto em acordo coletivo.

Sem ponto eletrônico, Israel registra a frequência manualmente. Uma folha é impressa todo mês e o funcionário apenas assina o documento. Não há marcações da catraca. O assessor deveria cumprir expediente das 8h às 12h e depois das 14h às 18h. A ficha de Israel segue esses horários. A reportagem pediu a folha de frequência do filho da ministra. O departamento de RH negou-se a fornecer o documento. A Terracap afirma que a frequência de Israel é regular. A empresa desconhecia os negócios paralelos dele, investigados agora pela PF e pela Controladoria-Geral da União.

O filho da ministra já passou por diversos postos da administração pública. Já esteve na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) durante a gestão de Leonardo Bandarra.

O tio de Israel Euricélio também tem currículo no GDF. Depois de deixar a UnB, José Euricélio Alves de Carvalho foi secretário executivo do comitê consultivo de políticas públicas, normas e ações de fiscalização do uso e ocupação irregular do solo, vinculado ao ex-governador José Roberto Arruda, acusado de ser o chefe do mensalão do DEM. Por indicação da ministra, ele ocupa um posto comissionado na Novacap, no departamento de auditoria vinculado à Presidência. Foi nomeado no início do ano, dividindo período de trabalho com o ex-secretário-geral da companhia Davi José Matos, atual presidente dos Correios.

Matos admite ter sido nomeado para a Presidência da estatal por influência de Erenice. Ele é braço direito do deputado Tadeu Filippelli (PMDB-DF), candidato a vice na chapa de Agnelo Queiroz (PT). Desde terça, a reportagem procura Euricélio, sem sucesso. O irmão de Erenice foi responsável por contratos da Fundação Universidade de Brasília investigados na Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal (leia na página 3).

O senador Gim Argello negou qualquer interferência na Terracap, mas admitiu que conhece Erenice e Israel. No governo Arruda, eu não indicava ninguém. Se fosse do governo federal, tudo bem, afirmou o político do PTB. Ele disse que se for comprovado que Israel não dá expediente na empresa, o advogado deve ser demitido. O deputado Tadeu Filippelli disse que não teve influência nas nomeações de Euricélio e de Israel. Filippeli afirmou que a interlocução dele com Arruda começou depois que eles tomaram posse.

A ministra, braço direito de Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência, passou a evitar compromissos públicos. Ontem, cancelou participação em cerimônia no Palácio do Planalto.

O número

Faltam

17 dias

para o 1º turno

OAB pede o afastamento

Vinicius Sassine

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defendeu ontem o imediato afastamento de Erenice Guerra do cargo de ministra-chefe da Casa Civil. Não se pode falar em moralidade, em transparência e em apuração se a ministra se mantiver no cargo, disse o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante.

As acusações de tráfico de influência dentro da Casa Civil, intermediadas pelo filho de Erenice Israel Guerra e com a suposta participação da ministra, deveriam provocar a saída de Erenice do cargo, segundo Ophir. Isso porque, de acordo com o presidente da OAB, a permanência dela no governo pode atrapalhar as investigações.

Até agora, Erenice não deu qualquer sinal de que pode deixar o cargo. Nas duas notas oficiais que divulgou, colocou os sigilos bancário, fiscal e telefônico à disposição das investigações e atribuiu a interesses político-eleitorais as denúncias feitas contra ela, o filho, o marido e os irmãos.

A OAB defende que tanto Erenice quanto Israel sejam investigados pelo governo e pelo Ministério Público (MP). A oposição ao governo Lula já protocolou um pedido de investigação na Procuradoria-Geral da República (PGR). O Ministério da Justiça informou que a Polícia Federal (PF) vai investigar Israel e outros envolvidos nessa apuração, Erenice não será citada, por ter foro privilegiado como ministra.

As acusações são gravíssimas. Colocam em xeque a credibilidade do próprio governo, afirmou Ophir. A ministra Erenice é a chefe da Casa Civil, um dos órgãos mais importantes, o coração do governo.

Entenda o caso

Acesso facilitado a empresas estatais

Israel Dourado Guerra é suspeito de um esquema de lobby no governo federal, segundo reportagem publicada pela revista Veja desta semana. Ele teria atuado na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e nos Correios para agilizar a renovação de contratos da Master Top Linhas Aéreas. Essa intermediação teria rendido uma comissão de cerca de R$ 5 milhões à empresa de consultoria que Israel tem em sociedade com o irmão Saulo Dourado Guerra e com Sônia Castro, mãe de Vinícius de Oliveira Castro, este último ex-assessor da Casa Civil, que pediu exoneração no início da semana em função das denúncias.

A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União fazem investigação focada nos filhos da ministra. A Comissão de Ética Pública, órgão da Presidência da República, abriu inquérito para apurar se houve desvios de conduta de Erenice, que nega as acusações e abriu mão dos sigilos bancários, telefônicos e fiscal. Israel disse ter sido vítima de movimentos eleitorais.