Título: Estados criticam interferência do Tesouro em PPPs
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2004, Política, p. A8

Os governos estaduais reagiram de forma negativa às mudanças introduzidas no projeto de lei que define regras para os futuros contratos de parceria público-privada (PPP). A nova versão apresentada na quinta-feira da semana passada estabelece que Estados e municípios só poderão assinar contratos de PPP se antes os projetos forem submetidos à análise do governo federal. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), criticou a exigência na sexta-feira, durante café da manhã com homens de negócios. Seu secretário de Economia e Planejamento, Andrea Calabi, também se manifestou contra a mudança. "Isso é uma usurpação de poder", disse Calabi, durante debate promovido pela Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Querem criar um mecanismo centralizado de controle que vai contra o pacto federativo e me parece inconstitucional." De acordo com a nova versão do projeto, o governo federal só poderá fazer contratos de PPP se os compromissos financeiros decorrentes dos contratos não ultrapassarem o limite de 1% de sua receita anual. O projeto não impõe esse limite como obrigatório para Estados e municípios. Mas estabelece que a União bloqueará a transferência de recursos federais para Estados e municípios que ultrapassarem a cota de 1%. Se essa versão do projeto for transformada em lei, governadores e prefeitos só poderão assinar contratos de PPP depois que a Secretaria do Tesouro Nacional, subordinada ao Ministério da Fazenda, analisar se eles se enquadram no limite. Se um Estado receber avaliação desfavorável do Tesouro, poderá assinar o contrato de PPP se quiser, mas então não poderá mais contar com recursos transferidos por Brasília. Na prática, esse mecanismo pode dar ao Tesouro Nacional poder de veto sobre o uso das PPPs em outras esferas administrativas. "Dependemos de recursos federais para manter serviços e investimentos em áreas importantes", diz o secretário de Planejamento e Desenvolvimento de Goiás, José Carlos Siqueira. "Muitos governos não podem correr o risco de ficar sem esse dinheiro." De acordo com a nova versão do projeto, Brasília poderia bloquear apenas as transferências voluntárias, que resultam de convênios específicos. De janeiro a outubro deste ano, os repasses desse tipo somaram R$ 3,5 bilhões, o equivalente a metade da arrecadação obtida pelos governos estaduais com o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), uma de suas principais fontes de receita. O projeto de lei das PPPs está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. O governo espera que a nova versão apresentada na semana passada seja aprovada nos próximos dias. O projeto seguirá então para a Comissão de Constituição e Justiça e depois para o plenário do Senado. Se passar, terá que voltar a ser discutido na Câmara dos Deputados, o que provavelmente só vai ocorrer em 2005. O limite de 1% da receita e a exigência de análise prévia do Tesouro foram introduzidos no projeto para afastar preocupações com a possibilidade de que o uso pouco criterioso das PPPs provoque desequilíbrios nas contas do setor público. Para os governos estaduais, os dois mecanismos serviriam apenas para tornar mais demorada a aprovação dos grandes investimentos em infra-estrutura que eles esperam tornar viáveis com as PPPs. Na avaliação de Calabi, Estados e municípios já estão submetidos a vários limites legais, como os previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, e dispõem de vários instrumentos de controle local, como os Tribunais de Contas dos Estados, que tornariam dispensável a análise prévia do Tesouro. "Estados e municípios têm autonomia", disse Calabi. "Submeter os projetos à aprovação caso a caso parece um equívoco." O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, que também participou do debate da FGV na sexta-feira, afirmou que a análise prévia dos projetos de PPP seria "apenas um parecer", como os que o Tesouro prepara quando Estados e municípios submetem à avaliação do Senado pedidos de empréstimo. Para Levy, a reação às mudanças introduzidas no projeto de lei, apresentadas como o resultado de um acordo entre o governo e os partidos de oposição, não deve atrapalhar sua votação nos próximos dias.