Título: Em Porto Alegre, 738 cargos de confiança procuram emprego
Autor: Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2004, Política, p. A8

Além do impacto político de perder a cidade que há 16 anos era uma das principais vitrines da administração do PT no país, a derrota na eleição em Porto Alegre colocou o partido diante de outro dilema: o que fazer com um contingente de 738 militantes que ocupam cargos em comissão (CCs) e no dia primeiro de janeiro de 2005 estarão fora da administração municipal. Alguns deles, depois de dedicar mais de uma década ao trabalho na prefeitura. As perspectivas variam de acordo com o perfil de cada um. Há quase dez anos na função, a coordenadora de cinema, vídeo e fotografia da Secretaria da Cultura, Bia Barcellos, 43 anos, trabalha em contato com órgãos públicos, empresas e instituições privadas. Nos últimos anos, recebeu quatro propostas de trabalho, mas agora, antes de decidir o caminho a seguir, pretende dedicar-se aos projetos em andamento e repassá-los ao seu sucessor. Ela só não esconde a tristeza de se separar da equipe de seis pessoas que montou ao longo do período. Com 14 anos de prefeitura, o coordenador do Gabinete de Relações com a Comunidade, Assis Brasil Olegário Filho, 41 anos, também não está com o rumo definido. Ele é o responsável pelo Orçamento Participativo, marca registrada da administração petista, e está conversando com o partido sobre a possibilidade de atuar em outras prefeituras conquistadas pelo PT ou ainda no Legislativo. Caso não encontre espaço por aí, já pensa em atuar na assessoria a movimentos sociais ou organizações não-governamentais. A situação geral, porém, é "complicada", admite o presidente estadual do PT, Davi Stival. Nesta eleição os petistas também perderam as prefeituras de Caxias do Sul e Pelotas, que somam quase 500 cargos, e, segundo o dirigente, no fim de 2002, depois que o partido não conseguiu a reeleição para o governo do Estado, 2 mil CCs já haviam ficado sem emprego. Na época, a maioria acorreu ao diretório estadual em busca de espaço no governo federal, mas o número de vagas em Brasília ou no Rio Grande do Sul ficou muito aquém da demanda. "Muita gente não conseguiu emprego até hoje", lembra Stival, que calcula em cerca de 1 mil o número de currículos que ainda repousam em sua mesa. Ele ressalva que os petistas devem entender que "política não é profissão" e precisam procurar alternativas. "Não somos uma agência de empregos", diz o dirigente, que é formado em filosofia e teologia, tem mestrado em educação e dá aulas três noites por semana em uma universidade na região metropolitana. Os detentores de cargos em comissão na prefeitura, que sobem para 778 se considerados os conselheiros tutelares, absorvem uma folha salarial de R$ 2,4 milhões por mês. É um contingente grande, se comparado com São Paulo, que tem um orçamento de R$ 14 bilhões, sete vezes maior do que o de Porto Alegre, e cerca de 3 mil CCs. A maioria tem curso superior e o presidente municipal do PT, Valdir Bohn Gass, não tem uma idéia clara de quantos poderão ser reaproveitados em outras administrações do partido, mas fala em 100 a 150, no máximo. Os demais terão que buscar outros rumos e, para muitos, um dos maiores temores, além do mercado de trabalho restrito, é o eventual preconceito da iniciativa privada em contratar pessoas tão profundamente vinculadas ao PT. Uma limitação que Bia espera não enfrentar porque sempre tratou de separar o trabalho das suas convicções políticas. Formada em Direito, ela nem sequer é filiada ao PT e com orçamentos geralmente apertados (neste ano empenhou R$ 53 mil) desenvolveu dezenas de projetos de estímulo e disseminação da produção cultural local. Formado em sociologia, Olegário encarna um perfil mais militante. Filiado ao PT desde 1983, integra a Democracia Socialista, corrente considerada "à esquerda" do partido, e vislumbra também a possibilidade de dedicar-se à vida acadêmica. Para isso, precisará pelo menos ingressar num curso de mestrado, coisa que não pôde fazer durante o período de prefeitura devido à carga de trabalho, freqüentemente estendida em função das reuniões do Orçamento Participativo, nos bairros, à noite a também nos fins de semana. Para a maioria dos atuais ocupantes de cargos em comissão, porém, o prejuízo com a perda da eleição será "irreparável", admite o secretário geral do PT no Rio Grande do Sul, Francisco Vicente. "Não temos a mínima possibilidade de resolver esta situação", reconhece, lembrando que para as 43 prefeituras conquistadas neste ano pelo partido existem militantes locais capazes de assumir os cargos. Segundo ele, na próxima semana a setorial de economia solidária do diretório estadual deve discutir formas de estimular a formação de associações ou cooperativas de trabalho entre os militantes.