Título: Cadbury sai na frente pela Garoto
Autor: Christiane Martinez e Daniela D'Ambrósio
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2004, Empresas, p. B1

A Cadbury Adams está pronta para comprar a Garoto, assim que o Cade der o sinal verde. Sem alarde, a companhia de origem inglesa prepara sua estratégia de aquisição da empresa capixaba que ainda pertence à suíça Nestlé. A investida vai desde o corpo-a-copo com políticos do primeiro escalão do governo Lula, passando pelo prefeito da pequenina Vila Velha (ES) até o sindicato local dos trabalhadores do setor de alimentação, ligado à CUT. A empresa já conta com assessores jurídicos e financeiros para enfrentar a disputa. "A Cadbury nos procurou e disse que a Garoto será o principal investimento do grupo no Brasil e a porta de entrada no setor de chocolates", diz o prefeito de Vila Velha, Max Filho, do PDT. Ele esteve reunido com o presidente da Cadbury Adams, Marcos Grasso. O executivo da multinacional também se reuniu com o governador do estado Paulo Hartung (sem partido) e com as principais lideranças locais. Em Brasília, para uma audiência com o ministro Luis Fernando Furlan, do Desenvolvimento, ele contou com o reforço do principal executivo mundial da Cadbury, Todd Stitzer. Para a Cadbury, o que está em jogo é a oportunidade de voltar a fazer uma oferta, desta vez mais agressiva, para levar a Garoto e finalmente estrear no negócio de chocolates no Brasil - o quinto maior mercado do mundo. O cenário, agora, é bem diferente do de 2002, quando tinha apenas um escritório comercial e perdeu a Garoto para Nestlé, que pagou R$ 570 milhões. "A Cadbury ficou até o final, mas fez uma oferta muito menor", conta uma fonte que acompanhou o processo de venda. No novo round, a multinacional tem a seu favor uma estrutura mais robusta no Brasil, sustentada pela aquisição mundial da Adams - um negócio fechado em 2003 por US$ 4,2 bilhões. Levou, com isso, a operação da Adams no Brasil, com tradição de 60 anos. Uma outra fonte que também acompanhou a venda observa que a vantagem, agora, é que a negociação vem sendo feita por executivos brasileiros que dedicam boa parte do seu tempo a esse negócio. Na anterior, o processo foi feito pelos executivos da matriz. "Eles foram considerados inábeis no tratamento com a família, que enfrentava sua pior crise desde a fundação da Garoto", afirma. Ao Valor, a Cadbury informou apenas quem tem interesse em comprar a Garoto. Se efetivamente voltar para prateleira, a grande incógnita levantada pelo mercado é quanto valerá a Garoto. Especialistas em avaliação de marca acham que a imagem da Garoto vai sair arranhada depois de quase três anos de indefinição - ainda que a empresa tenha mantido quase inalterada sua participação de mercado. Tem 21,4%, enquanto a Nestlé possui 28,4% e a Kraft, dona da Lacta, 33,1%, segundo dados da Nielsen de julho. José Roberto Martins, da Globalbrands, avalia que para o consumidor final a situação pouco muda, desde que o produto esteja no ponto-de-venda. O problema é quando a imagem esbarra na relação da empresa com seus fornecedores e com as instituições financeiras. "Se precisar de uma linha de crédito, o banco vai questionar quem será o credor daqui a dois anos", diz, referindo-se a indefinição na troca de comando. "O banco fica na dúvida se fará um contrato de dois ou dez anos." A demora nesse tipo de processo pode abalar a eficiência e o vigor da Garoto. "Com essas idas e vindas, a marca adoece e se enfraquece", acrescenta Martins. A Nestlé argumenta que a marca não perdeu força. Segundo o diretor Cláudio Faccina, ela já investiu R$ 105 milhões na Garoto desde 2002, dos quais R$ 60 milhões em marketing, incluindo campanhas e lançamento de produtos. Luis Eduardo de Carvalho, sócio da Brands and Values, diz que na avaliação de uma empresa, além do fluxo de caixa futuro, os ativos intangíveis (entre eles a marca) têm peso importante no valor final. Daí, a persistência das multinacionais em desembarcar no país comprando uma "grife". Afinal, a Cadbury tem saúde financeira suficiente para montar uma operação no país. A empresa pertence a um grupo com vendas de US$ 10 bilhões, com 181 anos, presença em mais de 200 países e que é a quarta maior do mundo. "O mercado de chocolate tem uma peculiaridade, onde a tradição e o sabor têm força e apelo regionais", diz a fonte de uma multinacional. Ao lado da Cadbury, outras duas gigantes internacionais vêm tentando ampliar a presença no mercado brasileiro. A americana Mars, cujo grupo fatura US$ 14 bilhões, apresentou ao Cade um documento manifestando interesse de levar a Garoto. Mesmo sem ir ao Cade, a Hershey's, com vendas de US$ 4,2 bilhões, também estaria interessada. Nem ela, nem a Mars, porém, partiram, como a Cadbury, para um corpo-a-corpo em Vila Velha.