Título: Transferências da União crescem menos que a receita líquida
Autor: Watanabe ,Marta
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2011, Brasil, p. A3

A arrecadação do governo federal cresce acima do Produto Interno Bruto (PIB). Na comparação com o período pré-crise, as transferências da União a Estados e municípios também crescem mais que o PIB, mas em ritmo menor que a receita líquida da União.

De janeiro a setembro de 2011, a receita líquida do governo federal cresceu 12,2% em termos reais na comparação com o mesmo período do ano passado. As transferências totais a Estados e municípios, incluindo repasses voluntários e obrigatórios, cresceram no mesmo período 15,5%.

O ritmo de elevação das transferências este ano, porém, deve-se à baixa base de comparação do ano passado. Levando em conta o período pré-crise, de janeiro a setembro de 2008, o aumento real da receita líquida foi de 18,3%. O crescimento das transferências a Estados e prefeituras ficou atrás, com 11%. A evolução do PIB no mesmo período foi de 9%. Os cálculos são da corretora Convenção Tullett Prebon, com base em dados do Tesouro Nacional. Os valores foram deflacionados pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

"Este ano há grande recuperação no valor das transferências a Estados e municípios, mas não o suficiente para eliminar a defasagem com o crescimento da receita líquida do governo federal", diz Fernando Montero, ex-secretário-adjunto de Política Econômica e economista da Convenção.

Montero explica que 76% das transferências da União para Estados e municípios são repasses constitucionais, onde estão principalmente os fundos de participação a Estados (FPE) e municípios (FPM). Esses fundos são alimentados pela arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Amir Khair, especialista em contas públicas e ex-secretário de Finanças do município de São Paulo, lembra que a arrecadação do IPI teve menor crescimento em 2009 e 2010, devido a medidas anticíclicas, como a redução do IPI para automóveis e máquinas, por exemplo.

O Imposto de Renda, responsável pela maior parte do bolo dividido com governadores e prefeitos, também teve crescimento de arrecadação bem menor no ano de 2009, quando a crise comeu parte dos lucros das empresas. No ano passado, lembra Khair, houve também frustração com a arrecadação do IR. Com a compensação de perdas de 2009 no tributo recolhido em 2010, a evolução do recolhimento do IR ficou aquém do esperado pela própria Receita. "Foi somente este ano que houve maior recuperação e a elevação em patamar tão elevado nas transferências em relação ao ano passado, portanto, se deve à base baixa de comparação."

Ao mesmo tempo, amparada pela massa salarial, a receita da União acabou fortemente sustentada durante a crise pela receita previdenciária. De janeiro a setembro deste ano, o governo federal arrecadou R$ 189,8 bilhões em receita previdenciária, o que significa crescimento nominal de 50% em relação ao que foi recolhido na mesma rubrica em 2008. Foi a receita previdenciária que puxou a arrecadação total da Receita Federal do Brasil no período, com alta de 41,3%.

Embora também tenham crescido no mesmo período, o IPI e o IR tiveram alta de arrecadação bem mais modesta, com elevação de 18% e 29,5%, respectivamente. "O que beneficiou o governo federal é que a contribuição previdenciária, que tem sustentado o crescimento da arrecadação, não entra no bolo de divisão com Estados e municípios", explica Khair.

François Bremaeker, consultor da Associação Transparência Municipal, diz que o crescimento menor das transferências não afeta tanto Estados com economia mais dinâmica e prefeituras de grandes cidades. Os Estados que possuem receita própria, explica ele, estão sendo beneficiados com a elevação de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo estadual devido tanto nas vendas da indústria quanto nas do varejo.

As prefeituras de grandes cidades também não serão afetadas, porque têm sido beneficiadas não só com a transferência de ICMS pelo valor adicionado no município como também com o aumento de recolhimento do Imposto sobre Serviços (ISS). Essa situação não é, porém, a regra para a maior parte dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros.

Segundo Bremaeker, o FPM é a mais importante transferência constitucional feita pelo governo federal aos municípios e é a principal fonte de recursos para 81% das prefeituras. Para o consultor, a recuperação das transferências de recursos não deve ser suficiente para cobrir o impacto que os municípios sofrerão com o reajuste do salário mínimo em 14% a partir de janeiro. Segundo ele, o mínimo indexa, em média, direta e indiretamente, 77% do custeio dos municípios. Há, diz, não só o impacto na folha de salários dos funcionários como também na contratação de serviços de terceiros.

Khair lembra que o crescimento em ritmo menor das transferências tem propiciado mais autonomia, em relação ao governo federal, dos Estados fortes em receita própria. Segundo dados do Tesouro, o Estado de São Paulo, por exemplo, tinha, em 2005, receitas próprias equivalentes a 89,4% das receitas correntes. No ano passado, a fatia cresceu para 91,12%. "Isso foi possível devido ao crescimento econômico, que alavancou a alta de arrecadação própria do Estado", diz Khair.