Título: Brasil perde força no esmagamento
Autor: Fernando Lopes
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2004, Agronegócios, p. B10

Distorções tributárias, deficiências na infra-estrutura logística e limitada expansão da demanda, no plano doméstico, e aumento de investimentos na Argentina, na China e no Leste Europeu, no campo externo, estão tirando fôlego do processamento de soja no Brasil e levando o país a perder espaço no tabuleiro global da atividade. Melhor exemplo dessa tendência vem da comparação entre as capacidades de processamento do grão no Brasil e em seu principal concorrente, a Argentina. Em 1995, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a capacidade nacional chegava a 116.280 toneladas diárias, 103,8% mais que a do vizinho (57.044). Em 2003, a diferença caiu para 17,3% (115.270 toneladas diárias no Brasil ante 98.238 na Argentina), e em 2006, conforme a Abiove, haverá praticamente um "empate técnico" - 134.820 toneladas diárias contra 133 mil. Levando-se em conta que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) projeta a produção brasileira de soja em 64,5 milhões de toneladas na safra 2004/05, 65,4% mais que a argentina (39 milhões), para especialistas e fontes das indústrias restam dois caminhos para o país: eliminar gargalos para impulsionar aportes industriais ou assumir o perfil de celeiro de matéria-prima, em detrimento de farelo e óleo de soja. "O futuro do processamento no Brasil é preocupante, já que o processo está violentamente onerado", afirma Carlo Lovatelli, presidente da Abiove. Segundo ele, que também é diretor da Bunge no país, um dos principais problemas continua sendo a infra-estrutura disponível para o escoamento do grão aos mercados internos de consumo ou para exportação. No caso do transporte rodoviário, lembra, a velocidade dos caminhões nas rodovias brasileiras caiu 40% em cinco anos, e quase 70% das cargas a granel são transportadas sobre rodas no país. No caso dos portos, diz José Luiz Glaser, diretor do Complexo Soja da Cargill no Brasil, os custos totais com demourrage (multas de sobre estadias de navios referentes à espera para carregamento) já chegam a cerca de US$ 1 bilhão por ano. Na frente tributária, as indústrias ainda reclamam das distorções na cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nascidas com a Lei Complementar 87, de 1996, conhecida como "Lei Kandir". A lei abriu espaço para cobranças distintas pelos Estados e desestimulou o transporte interestadual. Não por acaso, a fábrica inaugurada pela Cargill em Rio Verde (GO), em agosto, está próxima de uma "âncora" de consumo, que é o complexo da Perdigão na mesma cidade. A fábrica, a sexta da Cargill no Brasil, absorveu investimentos de R$ 65 milhões e ampliou a capacidade total da múlti no país para 12,5 mil toneladas por dia. "O mercado interno ainda compensa, e os investimentos no país dependerão cada vez mais dele. Mas a tendência é que as novas unidades sejam menores, para entre 3 mil e 4 mil toneladas por dia, ante unidades de 12 mil a 15 mil na Argentina", observa Glaser. A própria Cargill já anunciou uma fábrica nova na Argentina que chegará a 12 mil toneladas. Fontes das indústrias notam que não houve inaugurações de processadoras de soja no Brasil de 1992 a 2002, apenas expansões. Em 2003, a Bunge abriu uma fábrica em Uruçuí (PI), e em 2004, além da unidade da Cargill, vieram a da Coinbra em Alto Araguaia (MS), para 3 mil toneladas, e a da Cooperativa Mista dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo). Se o Brasil vem perdendo fôlego na competição com a Argentina - que tem um modelo de negócios mais "limpo" dos pontos de vista tributário e logístico, segundo Glaser -, começa também a perder espaço para China e Leste Europeu nos planos de investimentos das indústrias. No caso da China, em virtude do grande mercado consumidor e das vantagens tarifárias em importar grão ao invés de farelo ou óleo; no do Leste Europeu, em razão do potencial de crescimento da produção de outros óleos vegetais, como o de girassol, que já atrai projetos de Cargill e Bunge, entre outras companhias. Em 1995, conforme a Abiove, existiam mais de 120 fábricas de processamento no país. Hoje há 91, operadas por 49 empresas diferentes. E, segundo especialistas, o atual "deslocamento" da capacidade de produção dos Estados do Sul para o Centro-Oeste deve continuar.