Título: Câmara aprova tutela da justiça estadual sobre R$ 70 bi
Autor: Junqueira ,Caio
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2011, Política, p. A10

Enquanto a Justiça federal luta por um reajuste salarial de 56%, a Justiça estadual conseguiu ontem dar um importante passo para garantir tutela sobre o lucro das aplicações de bilhões de reais referentes a depósitos judiciais de pessoas físicas e jurídicas que estão em litígio nos Estados.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou ontem um projeto de lei que autoriza o Poder Judiciário dos Estados e do Distrito Federal a aplicar os recursos desses depósitos, estimados, em todo o país, em mais de R$ 70 bilhões.

O texto prevê que os valores poderão ser destinados a um fundo "de modernização e reapalheramento funcional do Poder Judiciário Estadual e do Distrito Federal", à construção e reforma dos seus prédios, à aquisição de equipamentos, implantação e manutenção de sistemas de informática, pagamento de assistentes e investimento em treinamento e especialização de magistrados e de servidores dos Tribunais.

Estabelece, ainda, que os índices percentuais relativos ao montante dos rendimentos líquidos auferidos, os parâmetros e normas para sua aplicação, a prestação de contas e procedimentos para execução desta Lei serão todos regulamentados pelos Tribunais de Justiça dos Estados. Aprovada em caráter conclusivo, a proposta segue agora ao Senado.

Na prática, se de fato virar lei, o projeto colocar um ponto final em uma discussão que se arrasta há anos, dando a "vitória" às Justiças Estaduais. O motivo é que, devido ao seu elevado valor, esses depósitos despertam o apetite de outros órgãos. Os governadores são interessados em alocar esses recursos para seus cofres e utilizá-los para investimentos em geral nos seus Estados ou, em alguns casos, para pagar as milionárias dívidas judiciais - os chamados precatórios.

Em outra frente, os bancos estatais e privados veem nos recursos um dinheiro fácil e de alta rentabilidade, advinda do fato de permanecerem retidos por anos em suas contas devido à lentidão da Justiça a um baixo custo: os valores em geral são remunerados pela TR acrescida de 0,5% ao mês - irrisório se comparado com outras aplicações.

Os desembargadores veem nos recursos a solução para diminuir a dependência orçamentária que têm do Executivo. Todo final de ano, é praxe as disputas e articulações de lado a lado para fazer prevalecer sua vontade. Entretanto, como tem a palavra final, os governadores acabam por impor restrições cada vez maiores aos Judiciário regionais.

Diante disso, alguns poucos desembargadores -Amazonas, Mato Grosso e Rio Grande do Sul- conseguiram convencer os governadores a uma espécie de armistício. Eles elaborariam leis que autorizassem os Tribunais de Justiça a utilizar no sistema judicial o lucro de aplicações financeiras feitas com os depósitos judiciais, e ganhariam em troca o fim da pressão anual dos juízes e do consequente desgaste político por ele provocado.

Os gaúchos, por exemplo, alegam que esse acordo rendeu ao seu Judiciário, desde 2003, R$ 626 milhões, responsáveis pelo financiamento da construção de 74 prédios, principalmente no interior. Para 2010, estavam previsto R$ 180 milhões, que acabaram não chegando. Em 2010, porém, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais essas leis. Entendeu, nessa linha, que uma lei nesse sentido só teria validade se promulgada pela União. A lei aprovada ontem foi o primeiro passo para tornar essa decisão do STF inócua.