Título: Cortes no Orçamento preocupam Serra
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2004, Política, p. A9

O prefeito eleito de São Paulo, José Serra, e sua equipe, trabalham com a perspectiva de um primeiro semestre amargo no início da gestão. De acordo com os tucanos, a prefeita Marta Suplicy terá que fazer um grande corte de empenhos no Orçamento deste ano para entregar a prefeitura sem restos a pagar, o que pode se refletir em uma pressão por ação administrativa do prefeito eleito logo no começo de sua gestão. Segundo dados coletados no gabinete do vereador Ricardo Montoro (PSDB), candidato a presidente da Câmara, até a semana passada havia uma diferença de R$ 450 milhões no exercício entre o total de despesas já assumidas e a receita. Os empenhos ainda não-liquidados somavam R$ 1,647 bilhão e o montante já bloqueado no Orçamento era de R$ 750 milhões. "Nossa expectativa é que haja um cancelamento geral de empenhos, comprometendo a ação administrativa", disse o assessor do vereador, Bruno Caetano. Os dados não são oficiais e o feriado de ontem impediu uma confirmação por parte da Secretaria Municipal de Finanças. Os relatórios bimestrais de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal indicam que a prefeitura vem conseguindo superávit primário na execução orçamentária e está liquidando os restos a pagar do exercício de 2003, que foram de R$ 1,1 bilhão. Sobravam apenas R$ 21 milhões até o início de outubro. Em sua primeira entrevista coletiva como prefeito eleito, concedida na tarde de anteontem, Serra abordou o problema. "O que me preocupa mais é o déficit corrente. Quero crer que a prefeitura vai adotar medidas de austeridade para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal", disse o tucano. O prefeito minimizou a falta de enquadramento da prefeitura de São Paulo no limite de 1,78 para a relação dívida consolidada/receita em maio do próximo ano. Pelo último dado divulgado esta relação estava em 2,46. A tentativa de Marta Suplicy de repactuar a dívida consolidada com a União fracassou. A prefeitura tentou impedir que a cobrança de juros aumentasse de 6% para 9%, com caráter retroativo, ao ser punida por não fazer o resgate de R$ 3 bilhões da dívida previsto para novembro de 2002. Tudo que conseguiu foi transferir de 2004 para 2005 o limite de enquadramento. Caso Serra não consiga negociar uma extensão deste prazo, as transferências voluntários da União e as concessões de aval para empréstimo serão suspensas. O custo político seria grande, mas há tucanos que consideram que, do ponto de vista econômico, o desastre é relativo. Cerca de 80% das transferências da União são para o Sistema Único de Saúde, de caráter obrigatório. Os repasses voluntários são da ordem de R$ 120 milhões ao ano. O apoio do governo estadual pode suprir a falta do governo federal em várias áreas. Em seu plano de ação, Serra propôs trabalho conjunto com o governador tucano Geraldo Alckmin nas áreas de transporte, segurança, meio-ambiente, geração de empregos e educação. Para se enquadrar no limite, Serra teria que gastar R$ 6,5 bilhões, praticamente a metade do Orçamento para o ano inteiro. Serra demonstrou também pressa em começar o período de transição. Seu coordenador para análise de dados da gestão Marta deverá ser o ex-ministro da Casa Civil do governo Fernando Henrique Clóvis Carvalho, segundo comentaram tucanos presentes no evento. Ao conversar com jornalistas, Carvalho lamentou a falta de uma estrutura de transição na prefeitura semelhante à que foi armada no fim do governo Fernando Henrique, com funcionários públicos especificamente cedidos para esta função. Os tucanos aguardam para os próximos dias uma audiência formal com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem pretendem abrir caminho para rediscutir o pagamento da dívida.