Título: "Venceu o PSDB que amassa barro"
Autor: Cristiano Romero, Vera Brandimarte e Maria Cristin
Fonte: Valor Econômico, 03/11/2004, Especial, p. A14

Apontado como principal vitorioso das eleições municipais, o governador Geraldo Alckmin desconversa - "Isso não é verdade". Munido de um mapa em que mostra as 447 das 645 cidades que já visitou nos últimos dois anos, Alckmin diz que o resultado eleitoral positivo foi um triunfo do partido que "arregaça as mangas" sobre o PSDB que assina artigos de jornal: "Isso temos que aprender com o PT. A importância da organização partidária". Ele foi a sétima assinatura do termo de fundação do partido, que carrega numa pasta velha e mostra com orgulho. Seu nome precede o de Fernando Henrique Cardoso e José Serra, numa lista encabeçada por Franco Montoro e José Richa. Não antecipa o cenário eleitoral de 2006 mas dá indicações de que seu candidato pode sair do secretariado. "Não é apenas nome conhecido que ganha eleição". Na sucessão presidencial reconhece polarização entre PT e PSDB e diz que, para sacolejar a convergência programática entre os dois partidos, a saída tucana é o discurso da "eficiência". A seguir, a entrevista do governador ao Valor, concedida na manhã de ontem ao lado dos porta-retratos da neta Isabela e da primeira-dama Lúcia Alckmin - "O primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, ganhou o voto dela para o resto da vida porque a confundiu com minha filha". Valor: As eleições municipais deixaram o PT e o PSDB em pé de igualdade, o que pode levar à polarização entre partidos que têm políticas de governo convergentes. Que discurso o PSDB deve adotar para se diferenciar do PT em 2006? Geraldo Alckmin: Sou contra estender o calendário eleitoral ou antecipá-lo. Eleição tem seu momento. Depois é pé na estrada e trabalho. É proibido tratar de sucessão no meu governo. O eleitor está muito maduro. Separa muito as questões. Eleição estadual e federal são em 2006. Agora ela foi municipal. Valor: O sr. não acha que o governo Lula foi julgado nessas eleições? Alckmin: Não. Isso vai ser feito em 2006. Há, sim, resultados locais que dão a dimensão dos partidos. Aprendi o seguinte: nós ganhamos a eleição no Estado e na capital. É uma virtude política a moderação, especialmente na vitória, porque política é serviço e responsabilidade, não é guerra, não é filme de caubói com bandido querendo matar mocinho. Então, sou cauteloso. Aprendi com meu pai e Santo Antonio de Pádua: "Quando não puder falar bem, não diga nada". O governo não está nem na metade e eu não sou daqueles que acham que o governo Lula foi derrotado. Valor: São Paulo deu ao PSDB seu melhor resultado eleitoral, no entanto, não há candidato visível à sua sucessão. Como será o processo de escolha? Alckmin: No momento adequado o partido vai escolher seu candidato. Há uma grande confusão entre ter um nome conhecido e ganhar eleição. Os nomes conhecidos em grande parte perderam a eleição e muitos desconhecidos ganharam. Ao deflagrar o processo sucessório encurta-se o governo. Valor: O prefeito reeleito de Belo Horizonte e o governador de Minas, Aécio Neves, têm dito que tanto o PT quanto o PSDB precisam se despaulistizar. Nessas viagens que o sr. fez pelo país nessas eleições o sr. percebeu esse sentimento antipaulista? Alckmin: Pelo contrário. Onde fui senti um enorme apreço por nosso Estado porque todo mundo tem laços afetivos com São Paulo. As pessoas dizem: meu primo está morando lá, meu filho também. São Paulo é um cadinho de cada parte do Brasil. E não só do Brasil. Esta é uma cidade cosmopolita, tem bairro japonês, italiano. Eu, por exemplo, sou de família mineira. São Paulo é uma cidade de coração grande, aberta. O que colhi dessas viagens que fiz foram ótimas impressões. Fomos a Teresina, Cuiabá, Florianópolis, Curitiba, Campina Grande e Uberlândia. Foram visitas sem qualquer impacto eleitoral, mas que mostram o partido como um time. Na política vale o ditado diga-me-com-quem-andas-e-te-direi-quem-és. Ninguém governa sozinho. Os interesses políticos mudam muito depressa e se você não tiver laços afetivos você não constrói um partido. Valor: Esse time vai ter que trocar de comando ou o sr. acha que o prefeito eleito José Serra deve se manter à frente da presidência do PSDB? Alckmin: Acho que cabe ao Serra encaminhar sua sucessão. O partido tem bons quadros, um bom time e a direção partidária tem agido em colegiado. É bom para o Brasil ter partidos estruturados. O Brasil tem uma história de personalismo na política. É bom você ter mais partidos, propostas, programas. Isso nós temos que aprender com o PT. A importância da organização partidária. Valor: O PSDB aprendeu a agir como um time depois de ficar fora do governo? Alckmin: O PSDB é um partido muito jovem. Só tem 16 anos. O partido precisa ter raízes. O grande resultado dessas eleições é a inserção do partido nos grandes centros urbanos do país. O PSDB sempre teve grandes quadros e brilhantes artigos de jornal, mas sempre defendi um partido que arregace as mangas e amasse o barro. Do início do meu governo para cá já visitei 447 municípios no programa que chamo "SP governo presente". Saio daqui na sexta-feira, passo o sábado em seminários com associações comerciais, sindicatos e Câmara de Vereadores discutindo as prioridades do governo. No domingo cedo vou à missa e volto para São Paulo. Valor: É daí que vem o desempenho eleitoral do PSDB no Estado? Alckmin: O sentido foi o do desenvolvimento. De janeiro a agosto crescemos 40% nas exportações, quando a média nacional foi de 33%. E você aprende muito. Aqui no gabinete fico afundado nesse mar de problemas e soluções. Como sou muito meticuloso, toma tempo aprofundar as questões. Então essas viagens foram um achado. Como saber por que um lugar como o Pontal do Paranapanema, com água, sol, terras e hidrelétrica não cresce e permanece como a região mais pobre do Estado? Indo lá e vendo que o que falta é a segurança do investimento. Estamos fazendo um grande trabalho de titulação de terras e é impressionante como aquilo já começou a crescer. Valor: Qual a previsão de investimentos para seu governo nos próximos anos? Alckmin: No nosso PPA há R$ 30 bilhões em investimentos previstos entre 2003 e 2007. As grandes obras são saneamento, sendo que a obra do Tietê é a maior delas, o metrô, onde estamos fazendo, pela primeira vez, duas linhas simultâneas, e o Rodoanel. Valor: Além da PPP estadual, o sr. não precisa da aprovação da PPP federal para alavancar esses investimento? Por que o PSDB não ajuda a aprová-lo? Alckmin: O PSDB não faz oposição ao projeto das PPPs. O partido tem colocado corretamente que o projeto precisa ser corrigido. O PPP não pode ser "Para o Próximo Pagar". A lei vai ser aprovada, mas é preciso ter regras muito claras de que não cria problema fiscal para o futuro. Outra questão é a Lei de Licitações, a 8666. Então precisa ficar claro o cumprimento da lei. Já aprovei a lei estadual há quase um ano, aliás sem os votos do PT. Os projetos estão caminhando. O principal projeto em São Paulo é a ampliação do Porto de São Sebastião e o Ferroanel mas sou cauteloso. Não é uma pomada que resolve todos os problemas. Serão poucos os projetos que terão viabilidade. Mas, que sejam poucos, vai ajudar. Valor: A necessidade do governo federal de aprovar a PPP está levando líderes petistas importantes a buscar uma reaproximação com o PSDB depois do acirramento das eleições municipais. O sr. vê espaço para essa colaboração? Alckmin: Deve haver uma nítida separação entre questões de Estado e de partido. Fiz isso aqui em São Paulo. É do Estado aquele terreno da Radial Leste que serviu de vitrine para a campanha da prefeita. O clima tem que ser de civilidade, de parceria. Mesmo no Congresso temos que agir com colaboração. Mas a União também tem que ser mais parceira dos Estados. Já pedi a transferência das estradas federais para o Estado e a regionalização do Porto de Santos. Está tudo parado. A União deveria ser mais parceira dos Estados, estes dos municípios e a sociedade civil de todos. O gerenciamento não precisa ser estatal. Temos 16 hospitais em São Paulo. Nenhum deles é administrado pelo Estado. Tudo é sociedade civil, terceiro setor. Alguns acham que o gerenciamento precisa ser estatal. Nós achamos que deve ser público. O diferencial do mundo moderno se chama eficiência. Como é que se busca eficiência num governo partidarizado? Partidarização excessiva não leva a lugar algum Valor: É no discurso da eficiência administrativa que o sr. acha que o PSDB deve buscar se diferenciar do PT, já que a política econômica os aproxima tanto? Alckmin: Há um equívoco em não se renovar a agenda econômica. O que vimos é que o PT não tinha projeto, que deu seqüência ao que tinha aí, a um projeto que, com o Serra, não tenho dúvida, teria que passar por mudanças profundas. Para ganhar credibilidade, o governo precisou aprofundar medidas que já deveriam ter sido modificadas, como a taxa de juros. Mas é bom para a democracia que não haja grandes diferenças entre os partidos e há questões que deixaram de ser partidárias. Passaram a ser questões de Estado, como o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, de não gastar mais do que se arrecada, não deixar uma bomba relógio para o sucessor. Antes você dependia das virtudes do governante. Havia aqueles que diziam com orgulho que quebraram o Estado mas elegeram o sucessor. A LRF foi um marco da qual Mário Covas foi um precursor e operou uma mudança cultural impressionante. Valor: Os municípios a serem governados pela oposição somam 74% da dívida total. Como lidar com essa questão sem renegar a LRF? Alckmin: Ninguém deve um centavo da dívida. Está todo mundo em dia, inclusive a Prefeitura de São Paulo. Porque se não estivesse haveria seqüestro de receita. O que o Estado paga daria para construir um quilômetro e meio de metrô por mês. Agora o que aconteceu foi que a dívida explodiu sem que os prefeitos e governadores tenham contraído novos empréstimos por causa da indexação pelo IGP. O Senado, por resolução, tem dado prazos maiores para enquadramento na relação entre dívida e receita. Isso tem sido feito regularmente e não tem nada a ver com o pagamento da dívida. Valor: O sr. seria favorável à mudança no índice de correção? Alckmin: Esta é outra discussão. Lá atrás não fui adepto da mudança de índice porque se estava querendo mudar mais do que isso e se criaria uma enorme insegurança para o governo que estava começando. Na reunião de governadores fui um dos poucos a advogar que não era hora de discutir mudanças. Valor: O sr. acabou isolado naquele momento? Alckmin: Fui voz completamente isolada. Nunca me entusiasmei muito com a mudança do índice, mas acho que podemos começar a discuti-la até porque o IGP está atrelado ao dólar e quando se tem uma desvalorização cambial se contamina o índice, como na transição para o governo Lula, pelo efeito PT. Valor: Além de Mário Covas, quais são suas principais referências políticas? Alckmin: Meu pai, que nunca foi político. Perdi minha mãe aos 10 anos e foi ele quem me transmitiu os valores da vida. Covas dizia que fazer obra é obrigação. Governo precisa ter princípios, valores, respeito ao dinheiro público, pluralismo e não maniqueísmo, uma coisa mais aberta, não muito partidária, participação da sociedade, interação, eficiência, enfim, um elenco. Isso não é privilégio nem monopólio nosso. Temos que estimular novos quadros, lideranças. Quem ouvia falar em Gabriel Chalita (secretário de Educação) ou Saulo de Castro (secretário de Segurança), tudo molecada que está surgindo. É preciso estimular as pessoas a participar da vida pública. Política não pode ser um clube de má fama. Quem quer participar de um clube desses? Os pais querem que os filhos sejam médicos, professores, jornalistas, mas políticos não. Precisamos resgatar a concepção de que os políticos ajudam a vida das pessoas. Gostei muito dessa campanha municipal porque acho que ela refletiu essa concepção da política. Aguerrida, participativa e de bom nível. Valor: O PSDB atuando como time é a principal lição dessas eleições? Alckmin: O PSDB é um partido que nasceu congressual, de cima para baixo. Ajudei a fundar o partido. Seu manifesto de criação começa assim: longe das benesses do poder, próximo do pulsar das ruas nasce o partido da social democracia brasileira. Nós deixamos o governo federal, o presidente José Sarney, o governador Orestes Quércia, e os prefeitos para começar tudo de novo, do zero, acreditando em valores éticos e de prioridade social com eficiência. Essa semente caiu em terreno fértil. O partido conquistou o eleitorado e o Brasil mudou de patamar com o governo FHC. Agora avançamos com esse feito inédito da conquista da cidade de São Paulo, historicamente dividida entre petistas e malufistas.