Título: "Se o PSDB quiser, muda acordo das dívidas"
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2004, Política, p. A6

O PSDB começa a se preparar para acirrar o embate com o governo federal no próximo ano, em que as articulações para a sucessão presidencial em 2006 devem ganhar fôlego. O primeiro passo na estruturação do partido para 2005 foi dado na semana passada, com a recondução do amazonense Arthur Virgílio para mais um ano como líder da bancada no Senado. A permanência do mineiro Custódio de Mattos na liderança tucana na Câmara ainda não é certa e a presença simultânea de José Serra na presidência do partido e na Prefeitura de São Paulo, deverá ocorrer, ao menos nos primeiros meses do próximo ano. De discurso extremamente agressivo, Virgílio transigiu com o governo em diversas ocasiões nos dois primeiros anos de governo Lula. A maior parte da bancada votou a favor das reformas constitucionais enviadas por Lula e nas últimas semanas desobstruiu o caminho para que a proposta das Parcerias Público-Privadas voltassem a tramitar. Hoje, promete fazer no Senado um pronunciamento sinalizando que a trégua acabou. O partido pretende colher dividendos de uma crise que, na opinião de Virgílio está apenas em seu início: a do afastamento do PMDB, ou de parte expressiva dele, do governo em razão da disputa pelas mesas diretoras da Câmara e do Senado. Um processo que, em seu limite, poderá dar a presidência de uma das casas para a oposição e facilitar a tarefa tucana de montar uma aliança para 2006. O senador considera que a dificuldade do PT em compor interesses na sua base é um trunfo para a oposição. Na geografia interna do partido, o amazonense está mais próximo do senador Tasso Jereissati (CE) e do governador mineiro Aécio Neves do que do presidente da sigla e prefeito eleito de São Paulo, José Serra. No passado, vinculou-se ao falecido governador de São Paulo, Mário Covas e foi ministro da Secretaria Geral da Presidência entre 2001 e 2002, no governo Fernando Henrique. Era um convicto defensor da política econômica executada pelo então ministro da Fazenda, Pedro Malan. Suas raízes políticas, entretanto, são diferentes. Seu pai foi líder do governo João Goulart no Senado e cassado pelo regime militar em 1969. Vinte anos depois, Virgílio foi eleito prefeito de Manaus pelo PSB. Ao passar para o lado tucano, foi recebido como um reforço para a ala esquerdista que então existia no partido. A seguir, a entrevista ao Valor: Valor: O sr. anunciou que PSDB e PFL vão estabelecer condições para continuarem votando matérias de interesse do governo. Vocês vão acabar a trégua? Arthur Virgílio: Mantivemos a Casa funcionando, votando matérias relevantes, e aí temos algumas queixas muito sérias, como por exemplo, a reforma tributária. Fizemos um acordo que representava um avanço em relação à unificação do ICMS e rebaixamento progressivo e lento da reforma tributária. Nossa reforma desapareceu. E a gente percebe o governo totalmente embananado na Câmara, em função do brutal erro que cometeu no episódio da reeleição: comprometeu-se com dois senadores, o Renan Calheiros e o José Sarney. Os dois com toda certeza se sentem credores e não há como arcar com este compromisso duplamente. Na Câmara, quem tiver dois votos, ganha a presidência. Todo mundo é candidato lá. Valor: Isto abre caminho para a oposição no Senado? Virgílio: Não vejo isto desenhado. Nós não temos decisão quanto ao que vamos fazer e as condições objetivas para isto não se demonstraram ainda. Sou contra candidatura apenas para marcar posição. Sou a favor de candidato em condições de se eleger. Nós estamos conversando com todo mundo. Não sei se temos chances de ganhar ou não. O quadro não está definido e é preciso que os atores se posicionem. Precisamos ver como Lula sai da promessa dupla. O que nós estamos vendo é o governo plantando ressentimentos e ensaiando mexidas ministeriais que nem de leve elevarão o nível do ministério que aí está. Valor: Se o Renan se eleger no Senado não fortalece o governo? Virgílio: O Renan tem um longo caminho para percorrer. É um processo tortuoso que deixa mágoas para o governo qualquer que seja a solução. Valor: O presidente redimensionando o PMDB no governo resolveria o problema da base ? Virgílio: Acho que não, Sarney não é um homem que se contentaria com ministérios e o que eu depreendo das conversas que tenho tido com Renan é que ele se manterá candidato em qualquer circunstância. Há um desejo do PMDB de se realizar como partido independente em 2006. Valor: Mas até correligionários seus continuam acreditando que Lula é favorito para reeleger-se em 2006. O sr. concorda ? Virgílio: Eu não tenho dúvida que se a eleição fosse hoje, Lula ganharia, por uma razão muito simples. Ele não tem adversário. Nós não temos o nosso lutador preparado para subir no ringue. Mas na hora decisiva o nosso lutador estará lá. Um partido como o nosso, que junta Fernando Henrique, Alckmin, Tasso, Jarbas Vasconcelos não quer dizer nada? Valor: Junta mesmo? Virgílio: Com quem ficam Rigotto e Fogaça? Com eles não ficam. Na eleição do Serra, a torcida do Michel Temer era por quem? Valor: Então os que têm o PT como adversários naturais, Rigotto, Fogaça, Jarbas, Roriz, viriam para o candidato do PSDB quase por osmose? Virgílio: Por osmose não, mas é mais fácil para nós negociarmos com eles do que para o PT. Falo sem excluir a hipótese deles terem candidato e até classificarem o candidato deles para o segundo turno. E aí eu não tenho nenhuma dúvida de que estaremos com o candidato deles. Valor: O governo também aposta na divisão oposicionista. Como o PSDB reage a essa operação para neutralizar ou atrair os governadores Aécio Neves e Marconi Perillo? Virgílio: O que o Aécio está querendo do governo é que se resolva a compensação do fundo de exportações. Ele é pragmático. O que ele está preocupado mesmo é que o governo cumpra este compromisso. Precisava de R$ 9 bilhões no Orçamento para cumprir e lá só estão R$ 2 bilhões. O Aécio é completamente nosso. É uma figura que nós contamos para uma eleição presidencial ou, no mínimo, para a reeleição como governador. Valor: O partido não mostrou divisão interna quando Aécio se reuniu com a bancada enquanto Serra reunia a Executiva Nacional? Virgílio: Não tem crise. O Aécio está jogando a maior água fria nesta coisa de presidência do partido. Ele disse que está preocupado mesmo é com o fundo de exportações. Esta coisa se Serra fica ou não na presidência será acertado entre ele e a gente com o tempo. Pessoalmente acredito que vai ser o difícil o Serra manter os dois compromissos. Mas nós não vamos chegar para o Serra e dizer: você ganhou, mas está demitido da presidência, entendeu? O sucessor dele está posto, é o Eduardo Azeredo, no momento em que o Serra achar, quando e se achar, que deve sair. Valor: Serra poderia ser alvo de retaliações do governo? Virgílio: Estamos preocupados em obter o cumprimento dos compromissos com os governadores e em proteger nossos prefeitos. O governo que tire o cavalo da chuva se acha que vai ter força para discriminá-los. Vamos inclusive discutir esta coisa econômica toda, à luz do nosso interesse. Valor: Esta "coisa econômica toda" é a renegociação da dívida? Virgílio: Vamos ver o que os prefeitos concluem e nós estaremos aqui para dar sustentação parlamentar. Não adianta dizerem que o Fernando Henrique fazia o mesmo e que eles apenas mantêm as regras, porque a coisa é maquiavélica: eles têm ou não têm a força para atropelar a gente? Têm a maioria acachapante? Não têm. Eles não reconhecem que a gente paralisa o Congresso se quiser? Então eles vão negociar com a gente. A conversa vai ser pragmática. Vamos dizer: "Vocês tem interesse em viabilizar o governo de vocês e nós temos interesse em viabilizar o governo do Serra e dos demais prefeitos". Valor: Nas PPP, o empresariado pressionou por uma negociação? Virgílio: Esta PPP que nós estamos votamos não deixará ninguém deitar e rolar em roubalheiras. A proposta da PPP está ficando madura e decente e um belo dia será votada, mas não será nesta semana e nem na outra.