Título: Belém cresce e incha cidades-dormitório
Autor: Giffoni,Carlos
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2011, Especial, p. A14

O estigma das cidades de Ananindeua e de Marituba é a localização. Situados às margens da BR-316, rodovia que termina em Belém, os dois municípios servem de cidade-dormitório para a capital paraense. O crescimento desordenado de Belém e a busca por moradia mais barata levou ao inchaço das duas cidades, que ocupam lugar de destaque no ranking de favelização levantado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir dos dados coletados no Censo 2010. Marituba aparece em primeiro lugar (77,4% dos domicílios particulares ocupados são irregulares) e Ananindeua, em terceiro (61% de domicílios irregulares).

O problema habitacional é facilmente verificado pela densidade demográfica dos dois municípios. Em Ananindeua, há 2.477 habitantes por km2. Em Marituba, são 1.047 moradores por km2. A média brasileira é de 22,4 hab/km2. Entre os anos 2000 e 2010, a população de Marituba cresceu 45%, segundo o IBGE, alcançando 108 mil pessoas, sendo que 83 mil vivem em favelas. Em Ananindeua, 288 mil pessoas vivem nesses espaços.

Tanta gente em espaços tão reduzidos levou essas cidades à posição que ocupam hoje. O processo de favelização, porém, ocorreu de maneira diferente. A construção da BR-010, que liga Belém a Brasília, atraiu indústrias que se estabeleceram na região na década de 1960. "Ananindeua é resultado de um dos planos de desenvolvimento da Amazônia no governo militar. Não deu certo e o que ficou foi o superpovoamento", diz Alcir Matos, do Movimento pela Moradia de Ananindeua (MMA).

"Na época, as terras urbanas foram divididas entre meia dúzia de famílias, a cidade de Belém inchou e os trabalhadores não tinham onde morar e começaram a invadir áreas próximas", explica Matos.

Na década de 1970, foram criadas em Ananindeua as Cidades Novas, conjuntos habitacionais construídos pelo governo do Estado. O processo de favelização ocorreu nas proximidades dessas áreas, que eram destinadas à população de baixa renda. "As pessoas se casavam e procuravam locais para morar, quando preciso, invadir", diz Jhony Santos, coordenador do Instituto Verdejante, em Marituba.

De acordo com Matos, a regularização fundiária é difícil devido à dificuldade em encontrar os proprietários dos terrenos. "A grande maioria está irregular até hoje. Em Belém é mais fácil, porque detectamos áreas da União. Mas quando a área é privada, é mais complicado, porque a gente não sabe quem é o dono. O Pará é o campeão de grilagem no Brasil", diz.

Os terrenos ocupados de maneira irregular no norte paraense são chamados de invasões. A diferença para as favelas está no relevo, menos montanhoso. "São grandes terrenos baldios que as pessoas ocupam. O modelo é o mesmo das favelas: casas em situação precária, domínio do tráfico, falta de saneamento básico e planejamento urbano", explica Santos.

Marituba é onde está localizada a invasão Che Guevara, considerada a maior da América Latina na década de 1990 e que se tornou o bairro Almir Gabriel - favelizado -, onde moram cerca de 25 mil pessoas (23% da população).

A história do município é mais recente. Emancipado em 1994, Marituba era até então um local onde parte da população de Belém mantinha sítios para o lazer - a cidade fica a 23 km da capital. "Se Ananindeua é dormitório de Belém, Marituba é prosseguimento disso", diz Matos, do MMA. Com a criação do município, houve uma atração natural de trabalhadores em busca de empregos públicos. A cidade deixou de ser um local para passar o fim de semana e se tornou um polo de atração para o excesso demográfico da capital.

Diante do problema, a prefeitura começou a incentivar a invasão de terrenos abandonados, segundo Santos. "Esse incentivo vinha como uma espécie de moeda de troca pela falta de habitação, o que ocorre até hoje. Enquanto as disputas judiciais se desenrolam, o processo de regularização é empurrado com a barriga", afirma.

O secretário municipal de Planejamento de Marituba, Amiraldo Pereira, diz que a prefeitura fez um levantamento das áreas invadidas, que estão sendo regularizadas e entregues à população de baixa renda. "A maior parte dessas áreas é propriedade privada. O governo do Estado está fazendo as desapropriações e nós vamos fazer a titulação às pessoas carentes", diz.