Título: Tetto ganhou créditos do FCVS
Autor: Rosa,Silvia
Fonte: Valor Econômico, 22/12/2011, Finanças, p. C3

Os créditos imobiliários vendidos a investidores e que estão no centro de uma polêmica operação envolvendo a Caixa Econômica Federal foram adquiridos de graça pela Tetto Habitação, do Rio de Janeiro. Depois, foram vendidos por R$ 350 milhões a investidores.

Quem conta isso é Eugênio Pacelli Hollanda, dono da Tetto Habitação, que presta serviço de gestão de contratos de créditos imobiliários com cobertura do FCVS e vem sendo acusado, pela Caixa, de ter vendido os créditos indevidamente.

Foi o antigo Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj) que originou créditos de FCVS cuja venda no mercado secundário foi objeto de denúncia de fraude pela Caixa Econômica Federal. O Berj, parte do banco que ficou com o Estado do Rio após a privatização, vendeu os créditos sem considerar um adiantamento de R$ 800 milhões que já havia sido feito ao banco na década de 1990 pelo fundo.

Por causa de subsídios concedidos nos anos 1980 a tomadores de crédito imobiliário, os bancos ficaram credores de bilhões junto ao Fundo de Compensação de Variações Salariais, o FCVS, responsável por pagar o saldo devedor residual desses financiamentos. Esses créditos têm sido trocados por títulos de emissão do Tesouro Nacional. Mas há credores que, em vez de esperar pela chamada novação, preferem passar esse ativo adiante, vendendo-os com deságio no mercado secundário.

Em uma conversa de três horas em seu escritório no centro da capital fluminense, Hollanda deu uma complexa explicação de como os papéis foram parar no mercado.

Os créditos que lastreavam as Cédulas de Crédito Imobiliário (CCIs) emitidas pela Tetto Habitação tiveram origem em contratos imobiliários repassados sem ônus pela Apya Empreendimentos e Participações, do investidor Eduardo Jorge Chama Saad, em janeiro de 2006.

Esses contratos se subdividem em dois tipos de créditos, um contra mutuários finais do Sistema de Financiamento Habitacional (SFH) e outro contra o FCVS.

A parte referente aos créditos contra o FCVS, que foram validados pela Caixa, é que teria sido utilizada como lastro das emissões de CCIs, em dezembro de 2008, somando cerca de R$ 350 milhões em valor de face, segundo o dono da Tetto. "Nós fizemos tudo dentro da legalidade, nossas emissões tiveram rating e nos baseamos em informações dadas pela Caixa."

Esses créditos tiveram origem na carteira imobiliária repassada pelo Berj ao fundo de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro, Rioprevidência, como pagamento de dívida com o fundo de pensão, em novembro de 2004.

Parte dessa carteira foi cedida a um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, o ASM FIDC CI, que contava com créditos contra mutuários e contra o FCVS.

A cereja do bolo desse fundo, ou seja, os créditos contra o FCVs que tinham sido habilitados e validados pela Caixa, correspondentes a 11.381 contratos, foram repassados a um fundo, o ASM FDIC FCVS, e que tinha como cotistas fundos de pensão, entre eles a Real Grandeza. Depois, esse fundo passou para a administração da Vision Brazil Investments, em 2007, e somava um valor de R$ 713 milhões.

O restante, que incluía a parte dos créditos contra os mutuários foram vendidos pela Apya, de Saad, à Tetto, em janeiro de 2006, pelo valor de R$ 2 mil. Saad também repassou à Tetto, de graça, o equivalente a 13.435 contratos que não tinham entrado no FIDC. "Dois terços desses contratos pertencem a Eduardo Saad, para o qual fazemos a gestão, e um terço apenas foi entregue à Tetto como pagamento pela prestação de serviços", afirma Hollanda. Nessa carteira havia créditos que já tinham sido recusados para efeitos de ressarcimento pelo próprio FCVS.

Segundo processo administrativo sancionador da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a venda da carteira do Berj, a Caixa informou na época que os contratos sob gestão da Tetto, recebidos sem ônus ou por valor simbólico, valiam cerca de R$ 207 milhões.

Hollanda afirma que apenas os créditos contra o FCVS, que foram habilitados e validados pela Caixa, foram usados para a estruturação das CCIs, que foram vendidas para investidores, entre eles Antônio José Carneiro, conhecido como Bode, o fundo de pensão dos Correios, o Postalis, e bancos como Bradesco e Santander.

Esses títulos receberam classificação de risco "AA" pela agência LF Rating.

A KPMG ainda fez uma comparação de relatório entre os contratos imobiliários apresentado pela Tetto que serviam de lastro para os títulos com o extrato dos créditos fornecido pela Caixa. "A KPMG não fez nenhuma auditoria nesses títulos", afirma Ricardo Anhesini, sócio da KPMG.

O executivo explica que nesse serviço a definição dos procedimentos é discricionária do contratante e o auditor não emite opinião sobre o trabalho.

Só o investidor Antônio Carneiro, conhecido como Bode, teria R$ 100 milhões desses títulos. O fundo de pensão Postalis tem mais R$ 100 milhões.

Por uma falha no sistema, que teria ocorrido no período de setembro de 2008 a agosto de 2009, os créditos do Berj que seriam parte do pagamento de uma dívida do banco com o FCVS não foram marcados pela Caixa. Quando descobriu o erro, o banco remarcou todos os créditos da carteira do Berj repassados à Rioprevidência, que somariam cerca de R$ 1 bilhão. Essa carteira representa menos de 1% do total da dívida do FCVS, que soma cerca de R$ 80 bilhões.

A remarcação inclui alguns ativos que estão sobre a administração da Vision. Em nota, a empresa informa que notificou a Caixa e aguarda a reversão do processo, acreditando em uma solução administrativa. A gestora também destaca que continua no processo de novação desses ativos, ainda não concluído.

A Caixa chegou a entrar com pedido liminar na Justiça contra a ASM e a Tetto. A juíza federal substituta da 6ª Vara do Distrito Federal, Maria Cecília de Marco Rocha, indeferiu o pedido liminar de intimação dos agentes financeiros e investidores.

Segundo a juíza, "não há provas satisfatórias de que a empresa cedeu créditos que sabia serem marcados com gravame a terceiros". A juíza afirma ainda que a Caixa poderá ser demandada, na qualidade de gestora do FCVS, para arcar com a responsabilidade civil decorrente dos prejuízos pelos cessionários em razão do erro de seu sistema. O banco, porém, recorreu da decisão. "Nenhum dos nossos créditos foi novado e, portanto, não prejudicamos nem o FCVS nem a União", defende-se Hollanda. "Estou à disposição da Caixa para buscar uma solução para o problema", completa.