Título: Política energética desafia Bush
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2004, Internacional, p. A10

Apesar de George W. Bush já ter sido um empresário petrolífero texano, o setor energético, até agora, tem sido um relativo desastre para o presidente americano. A política energética não lhe trouxe nada, exceto infelicidade, de praticamente todos as frentes do debate. Até mesmo os mercados petrolíferos mundiais voltaram-se contra o presidente - em seu primeiro mandato, os preços dispararam. A mais conhecida decisão de Bush nesse tema continua sendo a abrupta rejeição do protocolo de Kyoto, um tratado imperfeito sobre mudanças climáticas que o Senado jamais teria aceito. Mas o governo concentrou suas atenções em algo diferente, que Bush anunciou logo após assumir: a suposta "crise energética" nos EUA. A idéia de que os EUA algum dia possam alcançar uma forma de independência energética é insustentável: embora o subsolo americano tenha só 3% das reservas petrolíferas mundiais, o país consome um quarto da produção global de petróleo. Mas Bush pediu a Dick Cheney que formulasse uma nova política energética. A força-tarefa montada pelo vice-presidente, devido a seus vínculos com a Halliburton e por cercar-se de sigilo desnecessário, se tornou um fracasso de relações públicas.

O plano de Cheney propunha enormes subsídios e isenções fiscais para os setores de petróleo, gás e nuclear, e em seu aspecto mais polêmico defendia a exploração de petróleo na Reserva Nacional Ártica de Vida Selvagem, no Alasca. Isso animou o setor de energia, mas um absurdo projeto de lei, que incluía gastos de US$ 100 bilhões, não passou no Congresso. A política de controle climático foi outra bela confusão. Tendo rejeitado o Protocolo de Kyoto, Bush propôs uma combinação impotente de programas voluntários e metas de "intensidades de emissões" (nas quais a quantidade de gás carbônico seria medida em relação à produção econômica da empresa ou do setor). A inexistência de uma política federal levou os Estados a estabelecerem seus próprios padrões, e o setor energético ficasse com um número crescente de normas conflitantes. Essa impostura levou o senador republicano John McCain a propor uma legislação sobre o clima com poder real. Junto com o senador Joe Lieberman, democrata, ele defendia um teto obrigatório para as emissões de gás carbônico e um sistema flexível de comercialização de direitos de poluir. O projeto de lei teve o apoio de 44 senadores neste ano, mas o custo de implementação assustou o lobby energético e a lei também não passou. Com isso, nenhum dos lados do debate energético ficou satisfeito. O pessoal do "viva as bicicletas" ainda está enfurecido com a rejeição a Kyoto; a turma do "todo poder à gasolina" está deprimida pelo caos. Como ironizou Lee Raymond, presidente da Exxon Mobil, os EUA não têm uma política nacional de energia. Numa comparação internacional, o país continua atipicamente dependente de modalidades sujas de energia (especialmente carvão) e seus automóveis e caminhões são caracterizados por níveis assustadoramente baixos de eficiência em consumo de combustível. Bush, no entanto, mais ousado e fortalecido pelo crescimento da maioria republicana no Senado após a eleição, está agora extremamente interessado em voltar ao tema. A polêmica proposta de explorar petróleo na reserva do Alasca será embutida num projeto de lei especial de "resolução orçamentária" em fevereiro. O recurso a essa brecha legal pode permitir que a medida seja aprovada com apenas 50 votos, e não os costumeiros 60 (políticos bem informados calculam ter 53 votos). Enquanto isso, um projeto de lei de energia mais contido será submetido a votação no primeiro semestre de 2005. Será que esse novo projeto de lei incorporará o mesmo volume de "lubrificante político" que a versão anterior? Possivelmente não. Em primeiro lugar, o governo parece bem mais empenhado em conter gastos, depois de sua reeleição. E, em segundo lugar, está se iniciando um debate sério sobre a política energética em geral, e sobre mudanças climáticas em especial. Há duas semanas, foi a publicação o relatório final da Comissão Nacional para Política Energética (NCEP, na sigla em inglês), grupo bipartidário de peso-pesados do setor privado, do governo, de grupos ambientalistas e do mundo acadêmico. Trata-se, possivelmente, da primeira tentativa concreta de enfrentar os diversos problemas que afligem os EUA. Sobre independência energética, o relatório inclina-se para a posição do setor de energia. O estudo defende a expansão das reservas petrolíferas estratégicas globais, o que aliviaria o impacto de instabilidades no suprimento de petróleo. E defende que o governo deveria ajudar a pagar pela construção de um gasoduto para trazer as enormes (e limpas) reservas de gás natural do Alasca para o mercado. Sobre eficiência em consumo de combustível, a Comissão tende a concordar com os verdes. Ela apóia a lei Média Empresarial de Economia de Combustível (CAFE, em inglês), que Detroit odiaria que se tornasse mais rigorosa. Mas defende US$ 3 bilhões em estímulos governamentais para ajudar no desenvolvimento de veículos híbridos-elétricos e avançados a diesel. Sobre carvão, a NCEP aceita a realidade política de que os EUA continuarão a depender demais do minério; mas quer que dinheiro do governo vá para o desenvolvimento de tecnologias de "carvão limpo", como gaseificação do carvão e seqüestro de gás carbônico. Sobre o tópico mais espinhoso, mudança climática, a solução proposta pela NCEP é de meio-termo entre Bush e McCain. Os especialistas na Comissão concordam com McCain que restrições à emissão de gás carbônico devem ser obrigatórias e precisam ser vinculadas à comercialização de permissões (para poluir); mas sugerem a fixação de metas de intensidade de emissões, como quer Bush, com base no argumento de que uma abordagem mais ampla poderia limitar o desenvolvimento econômico. E o plano da NCEP defende uma "válvula de segurança" para assegurar que os custos das permissões nunca ultrapassem um nível predeterminado (especialistas sugerem um teto inicial de US$ 7 por tonelada de gás carbônico). Críticos nos dois lados do debate já estão resmungando sobre isso. Jim Connaughton, assessor da Casa Branca para questões ambientais, é contra metas obrigatórias, embora seja difícil ver como um sistema voluntário possa efetivamente mudar comportamentos. Do outro lado, os verdes teme que a válvula de segurança esteja calibrada em nível baixo demais. O protocolo de Kyoto obrigaria, supostamente, as empresas americanas a gastar US$ 51 por tonelada de gás carbônico (embora só em 2010); McCain e Lieberman fixaram um nível de US$ 9 a US$ 16. Os verdes temem que, nesse esquema, muitos poluidores possam achar se mais barato comprar permissões para poluir que implementar processos produtivos mais limpos. A verdade é que ninguém sabe qual seria o custo de uma limpeza. Bill Reilly, co-presidente da NCEP e diretor da Agência de Proteção Ambiental (EPA) no governo de George Bush pai, ressalta que, se a válvula de segurança revelar-se calibrada em nível baixo demais, ela pode simplesmente ser recalibrada para cima, ao longo do tempo. Além disso, os verdes costumam alegar que a economia americana é tão ineficiente em termos de eficiência energética, que está repleta de oportunidades baratas para economizar, mediante reduções na emissão de gás carbônico. A resposta do governo Bush ao relatório tem sido morna, mas há mais ímpeto político por trás das idéias da NCEP do que aparenta. Nos EUA, as discordâncias sobre política energética costumam ser mais regionais do que partidárias. Por exemplo, os governadores republicanos de Estados litorâneos, como Arnold Schwarzenegger, George Pataki e Mitt Romney, estão à frente do esforço para a imposição de restrições obrigatórias a emissões de gás carbônico de automóveis e usinas de eletricidade. Agora, há também uma voz celestial em cena. Grupos religiosos conservadores estão cada vez mais preocupados com a questão. A revista "Christianity Today", editada pelo movimento evangélico de Billy Graham, publicou recentemente editorial defendendo a moralidade de ações para conter as mudanças climáticas. Como diz Lieberman com um sorriso, "a Terra é, afinal de contas, um empreendimento divino". É bem conhecida a religiosidade de Bush; embora ele também se refira a si próprio como um ambientalista, posição bastante ridicularizada. Agora ele tem uma chance de começar a modificar as atitudes americanas em relação a energia. O relatório da NCEP é um bom ponto de partida.