Título: O grande amigo de Erenice
Autor: Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 20/09/2010, Política, p. 2

Presidente dos Correios indicado pela ex-ministra da Casa Civil vive momento na corda-bamba por conta da relação com a petista

Àmedida que os escândalos se descortinam, caem um a um parentes e aliados da ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, apontada como protagonista de um suposto esquema de tráfico de influência envolvendo a estrutura ministerial. Todos os que chegaram ao governo pelas mãos dela vivem um momento de corda bamba. Este é o caso do presidente dos Correios, o engenheiro David José de Matos. O nome de David foi levado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva diretamente por Erenice. Se é uma pessoa da sua confiança, disse Lula, segundo o próprio David, quando a ex-ministra indicou o amigo de mais de 30 anos para chefiar os Correios. Lula vive o constrangimento de conviver com indicados por Erenice até a semana passada, a toda-poderosa da Esplanada , sem poder afastá-los, para não passar recibo do lastro de irregularidades iniciados na Casa Civil, pasta de onde saiu sua aposta para as eleições deste ano, a ex-ministra Dilma Rousseff (PT).

David repete que não pensa em deixar o cargo. De acordo com sua assessoria, o clima de trabalho nos Correios é normal e a decisão do afastamento cabe ao presidente Lula. Mas a ligação umbilical(1) do presidente dos Correios com a ex-ministra é demonstrada pela própria história dos dois. A amizade começou da Eletronorte, Davi foi o primeiro a estender a mão à Erenice. Ajudou na promoção da amiga quando ganhou um departamento na estatal de energia. Depois, os dois foram trabalhar juntos na Companhia de Metrô do Distrito Federal.

O cruzamento dos currículos de David e Erenice foi interrompido quando ela foi para o Ministério de Minas e Energia e ele continuou no Governo do Distrito Federal, conduzido pelo também amigo de décadas deputado Tadeu Filippelli (PMDB). No GDF, David passou pela Agência Reguladora de Águas, pela Secretaria de Obras e pela Companhia Urbanizadora. Na Novacap, apesar de não dividir mais o ambiente de trabalho com Erenice atuava no mesmo setor que o irmão da ex-ministra, José Euricélio Alves de Carvalho.

Enquanto Erenice galgava postos nos governo federal, David colecionava questionamentos no Tribunal de Contas do Distrito Federal apresentados durante suas gestões. Na Secretaria de Obras, o Ministério Público apurou supostas irregularidades em licitação para exploração de cemitérios e chegou a citar inicialmente o nome do atual presidente dos Correios no rol de autoridades responsáveis. Inquérito para apurar crime ambiental praticado pela secretaria também foi aberto contra David durante sua atuação no GDF. Depois de assumir a Casa Civil, Erenice devolveu o favor do passado e indicou David para os Correios.

Carta Há menos de dois meses no cargo, David volta à pauta de crise envolvendo os Correios. Ontem, a assessoria da estatal confirmou que o Coronel Eduardo Artur Rodrigues entregará sua carta de demissão. O coronel, que ocupa o cargo de Diretor de Operações na empresa pública, é apontado como testa de ferro do empresário argentino Alfonso Rey, proprietário da Master Top Linhas Aéreas (MTA). A empresa de aviação colocou Israel Dourado Guerra, filho da ex-ministra, no centro da crise que culminou no afastamento de Erenice. Israel, ex-funcionário da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), teria ajudado a MTA a renovar concessão de voo e, posteriormente, sua empresa de consultoria firmou contrato com a firma de aviação que mediante pagamento de taxa de sucesso fechou pelo menos cinco contratos milionários com os Correios.

1 - Confiança Em entrevista ao Correio publicada em 30 de julho deste ano, pouco antes de assumir a presidência dos Correios, David José de Matos afirmou que Erenice Guerra o chamou para os dois voltarem a trabalhar juntos. Ela agora precisou, a pedido do presidente, fazer essa mudança nos Correios, me convocou para a gente voltar a trabalhar juntos. Não tinha como dizer não. Porque eu tenho certeza de que, se fosse o contrário, se eu precisasse dela, ela viria também. Essa relação de amizade, de confiança, acho que ajuda. Eu posso contar com ela, ela sabe que pode contar comigo.

O número 11,7 é o número de candidatos por vaga na Câmara dos Deputados

Entenda o caso Denúncias sucessivas

Uma sucessão de denúncias ao longo da semana, depois da reportagem da revista Veja, culminou na demissão de Erenice Guerra do cargo de ministra-chefe da Casa Civil. Indicada ao cargo pela ex-ministra e candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, Erenice não resistiu às evidências de que seu filho, Israel Guerra, operou um esquema de lobby quando a mãe ainda era secretária executiva da Casa Civil e durante o exercício do cargo de ministra.

A Capital Consultoria e Assessoria, empresa utilizada por Israel, foi contratada pela Master Top Linhas Aéreas (MTA) para agilizar a renovação de contratos com os Correios. A comissão pelo serviço ou taxa de sucesso teria sido de R$ 5 milhões, segundo denúncia da revista Veja.

Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou um irmão de Erenice, José Euricélio Alves, como responsável por um desvio de R$ 5,8 milhões da editora da Unb. O Correio mostrou que Israel era lotado na Terracap, empresa do governo do Distrito Federal (GDF), e recebia R$ 6,8 mil por mês sem comparecer ao trabalho. Ele foi exonerado do cargo depois do escândalo.