Título: Polarização PT-PSDB durará 20 anos
Autor: Heloisa Magalhães
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2004, Especial, p. A-14

O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, que há 35 anos acompanha o cenário político frente ao instituto de pesquisa avalia que as últimas eleições deixaram ainda mais clara a tendência de uma espécie de bipartidarismo no país. Acredita que vai haver uma alternância de poder do PT e PSDB no país pelos próximos anos e os outros partidos estão ficando regionais e sem lideranças fortes. "Tornaram-se sublegendas", diz. Aponta o brasileiro como um eleitor avesso a mágicas e aventuras. Conta que as últimas pesquisas têm mostrado que não tem para ninguém a não ser o Luiz Inácio Lula da Silva nas próximas eleições presidenciais. O cenário só muda se a economia desandar ou em situações extremas como, por exemplo, um caso de corrupção na esfera federal. Para Montenegro, Fernando Henrique Cardoso alfineta Lula para mostrar que é oposição e não tem intenção de se candidatar à Presidência. O nome do PSDB é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. E avalia que não há outra saída para o governador de SP. Numa eventual candidatura ao Senado ele enfrentaria Eduardo Suplicy, forte em São Paulo e lhe restaria a disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados. Já o prefeito carioca, Cesar Maia, pode vir até a ser candidato a presidente o que na opinião do presidente do Ibope vai depender do quadro no início de 2006, mas Maia pode também se voltar para o governo do Rio de Janeiro. O Ibope aponta o prefeito carioca como pouco conhecido nacionalmente. Apenas 5% dos eleitores dizem que votariam nele. Já Alckmin conta com 15% das preferências. A última pesquisa realizada pelo instituto mostrou que Anthony Garotinho, ex-governador do Rio, oscila entre 8% e 16% nas intenções de voto dos eleitores, dependendo dos candidatos a enfrentar. Abaixo os principais pontos da entrevista: Valor: O fato de o ex--presidente Fernando Henrique Cardoso criticar a administração do presidente Lula não significa que o processo de sucessão presidencial já começou? Foram as eleições municipais federalizadas que deram a partida? Carlos Montenegro: Não. Eu acho que tentaram federalizar. Algumas pessoas do PT tentaram colocar a culpa no plano econômico, no Lula, mas com certeza foi uma eleição em que os eleitores pensaram nos seus problemas. No Rio de Janeiro, o Cesar (Maia) foi reeleito prefeito por sua administração. Também os de Belo Horizonte e Recife, ambos do PT, foram reeleitos pela suas respectivas administrações. Em Porto Alegre, o PT perdeu por fadiga de material. Foram 16 anos no poder. Cansou. As pessoas queriam conhecer outros programas. Independentemente até de terem gostado do governo. Tem uma hora que cansa. Talvez tenha sido o mesmo motivo da derrota do Amazonino Mendes, em Manaus. Ele está há muito tempo no poder. Como senador, governador, prefeito. Era sempre ele. As pessoas resolveram mudar. Valor: Na Bahia também o PFL, de Antonio Carlos Magalhães, cansou? Montenegro: Não. O (Antônio) Imbassahy fez um ótimo governo mas não pôde continuar porque era o segundo mandato. O PFL não tinha candidato. O senador César Borges não queria e por falta de opção acabou sendo candidato. Mas acho que o leitor lê nos olhos quando a pessoa está com vontade de ser ou não. Ele disputou por disputar. Já em São Paulo, a Marta (Suplicy) perdeu apesar de ter feito um excelente governo, talvez um dos melhores nos últimos 20 anos. As avaliações nas pesquisas mostraram que o governo dela chegou a ter até 50% de ótimo e bom e no final ela obteve 40% dos votos. Os 10% de diferença foram por causa dela. Pesou ainda a forma de separação (do ex-marido, senador Eduardo Suplicy). O paulista gosta dele e tem um certo conservadorismo. Isso tudo influenciou mas também disputou com ela um canhão. Ela recebeu um tiro fortíssimo. O PSDB escolheu um ótimo candidato que foi José Serra. Além de ter o recall da eleição presidencial, ele foi um excelente ministro da Saúde. Se não fosse Serra o candidato, a Marta, mesmo com problemas de personalidade, teria chance de ser reeleita no primeiro turno ou seria franca favorita para um segundo. Foi tudo uma união do problema pessoal dela, ela que passa um pouco de autoridade e arrogância, aliado ao fato de haver um outro candidato fortíssimo. Valor: Em que quadro se dará a sucessão presidencial? Montenegro: O país está caminhando para um bipartidarismo com sublegendas. PT e PSDB dominaram a última década. São dois partidos que têm programas de governo muito semelhantes, tanto na área econômica como social mas as grandes lideranças nacionais estão nestes partidos. Os dois vão ficar se alternando no poder durante muito tempo, pelas próximas duas décadas, 20, 25 anos. O PMDB e o PFL, por falta de lideranças nacionais ou por divisão, estão se interiorizando e estão ficando menores. O PMDB, por exemplo, tem várias lideranças, (José) Sarney, Renan (Calheiros), (Orestes) Quércia, (Michel) Temer, (Roberto) Requião, (Anthony) Garotinho, Jarbas Vasconcelos. São vários pensamentos e várias correntes. Onde tem muita gente não tem oportunidade de surgir uma liderança forte. Valor: PFL e PMDB diminuíram muito suas chances nessas eleições?

Fernando Henrique está alfinetando o Lula para mostrar que é oposição, não porque seja candidato"

Montenegro: Exatamente. O PFL hoje é muito calcado na liderança local do Cesar Maia, na Roseana (Sarney) que domina no Maranhão, no ACM (Antonio Carlos Magalhães) na Bahia, (Jorge) Bornhausen em Santa Catarina. O PFL não tem uma estrela nacional. Tentaram fazer isso com a Roseana na eleição passada e não deu certo pelos motivos que a gente conhece. E agora vão tentar fazer a mesma coisa com o Cesar Maia. Ele se lançou por várias razões. Primeiro porque está há 16 anos no poder no Rio. E segundo é o fato de que o PFL precisa de nova liderança. Ele pode se tornar um âncora dos programas do PFL. No no início de 2006 é que ele vai acabar resolvendo se vai para presidente, governador ou permanece onde está. Valor: O sr. acredita numa aliança do PFL com o PSDB na disputa pela Presidência da República? Montenegro: Acredito. Até porque o PT e o PSDB estão ficando os dois grandes partidos e os outros são sublegenda. O que é sublegenda? É esta situação de hoje em que o PL, PTB, PSB estão aliados ao PT. Há, ainda o PFL aliado ao PSDB em São Paulo. O PMDB está com o governo e há momentos que está com o governo e outros na oposição. Caso a classe política mantenha a atual cláusula de barreira nas próximas eleições, a reforma política está feita. Vão sobrar seis ou sete partidos, dois grandes, que vão se alternar no poder durante muito tempo, até PFL e PMDB encontrarem uma liderança nacional, por enquanto não tem. Valor: O candidato natural do PSDB à Presidência é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin? Montenegro: É mas por eliminação. O Fernando Henrique não vai. Está alfinetando o Lula para mostrar que é oposição, não porque seja candidato. Ele já conhece o poder, na época vai ter 76 perto dos 77 anos. Hoje está fazendo o que mais gosta, dar aulas, palestras, tem a fundação (Fernando Henrique Cardoso) etc. Ele tem admiração pelo Lula e não vai bater chapa com possibilidade de perder e manchar o currículo dele. O Aécio (Neves) é forte mas é novo. Está aguardando 2010. O Serra, que hoje é a maior liderança do PSDB, não vai poder sair com um ano e três meses de governo na prefeitura, senão vai ficar muito mal. Fica então o Alckmin. Valor: Qual é visibilidade do Alckmin nacionalmente? Montenegro: Fizemos uma pesquisa e 15% dos eleitores votariam nele. Mas ele não tem opção. Para o Senado ele iria disputar com o (Eduardo) Suplicy que é favorito então seria uma eleição dura. Se o candidato tem risco de perder para senador é melhor ter risco de perder para presidente. A opção dele é ser candidato a presidente ou deputado federal. Às vezes, o político não disputa para ganhar. Disputa para fazer uma boa campanha, ter visibilidade nacional e no futuro ganhar. Tanto ele como o Aécio são jovens. Ambos tem muita vida política. Valor: Por que chegamos ao bipartidarismo? Montenegro: O eleitor acaba fazendo as reformas que o Brasil necessita. Vai dando indicações. O eleitor é sábio. A cada eleição está votando o melhor vai separando o que é federal, estadual, municipal, qual a alçada de cada um. No mundo todo, os partidos políticos são os pilares da democracia. No Brasil, os próprios políticos ensinaram aos eleitores a não levar fé nos partidos. Eles trocam de partido como quem troca de camisa. É por isso que temos 36 partidos e alguns fazem até o papel de laranja para negociar tempo (na televisão). O eleitor vendo isso, está fazendo a reforma política dele. Na hora que ele começa alternar PT e PSDB no poder, está dizendo que quer menos partidos e mais ação, um programa partidário, lideranças nacionais, quer tentar limpar a política. Valor: O Lula é o favorito para a Presidência em 2006? Montenegro: Super favorito. As pessoas perguntam, "mas não está muito cedo?" Eu digo que na eleição de 1998, na reeleição de Fernando Henrique, começamos a medir dois anos anos e todas as pesquisas mostraram que ele estava na frente. Era o franco favorito e acabou acontecendo. Na eleição de 2002, começamos também fazer pesquisas dois anos antes, todas mostraram o tempo todo que tanto no primeiro turno como no segundo o Lula era super favorito e que deveria ganhar o que aconteceu. Não estou dizendo que vai se repetir, mas é normal que se comece a fazer pesquisas dois anos antes. Valor: E o (Antonio) Palocci não seria um candidato do PT à Presidência?

Não seria anormal pensar em Palocci versus Aécio na sucessão presidencial de 2010"

Montenegro: Não seria anormal se pensar em Palocci versus Aécio mas em 2010. Valor: E os evangélicos não são uma força nova? Montenegro: Nunca tivemos os católicos, os judeus, os muçulmanos, os ateus. Na verdade os evangélicos têm até determinada força para eleger senadores, deputados, vereadores. Pelas pesquisas que fazemos, a média do (voto) evangélico varia entre 15% a 20% no Brasil. Ter um candidato evangélico eleito pelos evangélicos para prefeito, governador e presidente está muito longe disso. O que pode acontecer é esse candidato evangélico conseguir conquistar votos devido à sua proposta de governo e sua postura independente de religião. Só aí ele vai ter algum êxito. Valor: O Garotinho, que é evangélico, obteve votação expressiva na última eleição presidencial? Como ele está agora nas pesquisas? Montenegro: Por estar na vitrine seja com a mulher (governadora do Rio) ou como secretário (ocupou a Pasta da Segurança) Garotinho tem o desgaste de governo. Na última pesquisa ele caiu um pouco mas continua bem posicionado. O Garotinho varia de 8% a 16% (nas pesquisas de intenção de voto entre os eleitores). Depende de quem enfrenta. Quando o Serra entra, o Garotinho fica com 8%. Quando é contra o Aécio, ele fica com 16%. Já com o Alckmin, empata. Ele vem de uma campanha presidencial. Já o Cesar Maia fica com 5% frente a todos os outros potenciais candidatos. O Cesar vai tentar ser uma nova liderança e pode crescer ou não. E aí vai tomar a decisão dele mais adiante. Valor: O sr. acredita que Cesar Maia se lançou candidato à Presidência da República para reduzir o impacto de uma candidatura ao governo do Estado? Montenegro: Pode ser. Mas acho que os cariocas entendem mais ele sair para o governo do Estado do que para presidente. No Estado o eleitor vê chance dele ganhar já para presidente, não. Mas tem situações diferentes. O Serra entrou agora pela primeira vez no Executivo. Antes só tinha sido deputado, senador e ministro. Ganhou a Prefeitura de São Paulo. Mas não pode, na primeira gestão, sair para se candidatar à Presidência. Já o Cesar estará 16 anos no poder, em 2006. É uma coisa mais aceitável, mais natural. Ele está há muito tempo no poder e está bem, se ficou esse tempo todo é porque tem administrações boas. E as pessoas podem enxergar que ele faria alguma coisa boa pelo Estado. Valor: Uma ruptura do PMDB com o governo complica mais a vida do partido? Montenegro: Complica mais. O partido sempre foi dividido entre governistas e oposicionistas. São lideranças mais locais. Ninguém de imprensa, formadores de opinião consegue entender o partido com uma sigla forte mas que cada vez mais se apequena e interioriza. O PMDB tem pouca presença nos governos dos Estados e nas prefeituras. Nas últimas eleições venceu nas capitais apenas EM Campo Grande e Goiânia. É muito pouco. PFL também só venceu o Rio. São partidos que estão ganhando ainda pelo passado, por nomes e no interior. O PMDB nem os próprios pemedebistas entendem, então não podem esperar que o eleitorado entenda. Por isso falo que está havendo uma reforma política que o eleitor está praticando pelo exercício do voto. O PT e o PSDB são hoje os partidos que na cabeça do eleitor têm mais coerência. E a tendência é que continuem duas décadas para frente comandando esse processo. Os partidos radicais representam fatia pequena. Tem espaço para ter PCdoB, um PV. O que não tem espaço é para ter PCAdoB, PCB, isso não cabe. No Brasil cabe ter seis ou sete partidos. Precisava ter fidelidade partidária, os políticos respeitarem a decisão das convenções. Hoje vemos duas lideranças no mesmo partido brigando como acontece no PPS. Nos EUA as pessoas brigam muito nas convenções dos partidos, mas uma vez tomada uma decisão todos respeitam. No Brasil não é assim. Os políticos sempre tentaram ensinar o eleitorado a votar no candidato e não no partido. Precisamos com a reforma que o povo está fazendo finalizar a reforma política no país. Valor: O Lula é favorito frente a qualquer candidato ? Montenegro: Testamos o Fernando Henrique em julho e deu 16% (o percentual de eleitores que votariam nele). O mesmo índice do Alckmin. Mas o Lula é franco favorito se não acontecer nenhum fato novo. A economia brasileira continuar indo bem, no mundo não tiver uma mudança e se não tiver um caso de corrupção importante no governo.... Valor: Mas e as eventuais decepções? Muitos esperavam mudanças na política econômica, política social mais eficiente, medidas para melhorar a qualidade de vida. O continuísmo não pode gerar uma frustração? Montenegro: As pessoas sabem que não tem mágica. E mesmo assim vai correr para quem? Fernando Henrique fez mais ou menos o que está acontecendo hoje. Quem vai oferecer a mágica? Se dermos um corte na metade do governo, as avaliações são de que o Lula foi muito bem na política externa, se colocou muito bem perante ao mundo. Foi muito bem na política econômica. Está indo bem no respeito às instituições. A Polícia Federal está fazendo um trabalho fantástico, apesar de serem casos antigos existe uma ordem de punir as pessoas. O negativo do governo Lula foi de ser acanhado na área social, enrolado num programa que poderia ter sido um grande sucesso que foi o Fome Zero e apesar da campanha do desarmamento o governo federal deveria agir mais em parceria com os governos dos estados em relação ao problema da violência e da segurança. O importante é a percepção da população. Uma falha é a infra-estrutura mas os eleitores não percebem alguns problemas. Percebem estradas, saneamento básico, mas portos, energia elétrica, não percebem, embora sejam um problema. Aí vem tem que investir, fazer, mas a população nem sempre percebe.