Título: Promessa de verbas não acaba com crise na base
Autor: Maria Lúcia Delgado e Henrique Gomes Batista
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2004, Política, p. A11

A promessa do governo de liberar R$ 600 milhões em emendas parlamentares, até dezembro, não foi suficiente para assegurar a retomada das votações na Câmara. Líderes do PMDB, PP, PTB e PL pressionaram o resto da base e avisaram que só voltam para as votações na próxima terça-feira. O quadro é uma demonstração de que há também uma crise de confiança da base com o governo. "Queremos o preto no branco. Não confiamos mais em promessas", enfatizou um líder aliado. "Se não der para votar, paciência. A Câmara está convocada", limitou-se a comentar o presidente da Casa, João Paulo Cunha. Mais tarde, ele reconhecia o saldo negativo: "Infelizmente é mais uma semana perdida". Alguns deputados avaliam que a próxima semana também pode ser improdutiva, devido ao feriado no início da semana. E a pressão dos líderes pode continuar até que a verba esteja de fato liberada. Diante deste quadro no Congresso, o governo corre contra o tempo e deve publicar ainda hoje uma portaria do Ministério do Planejamento liberando dotações orçamentárias dos ministérios. Esse procedimento é necessário porque, com o contingenciamento de custeio e investimentos estabelecido no início do ano, os ministérios não têm orçamento suficiente para empenhar as emendas, ou seja, fazer o comprometimento de gasto. Só depois do empenho é que o dinheiro pode ser liberado. Como parte desse nó burocrático e orçamentário, o Executivo vai ter também que mudar rapidamente, por pressão da base, o Decreto 4992/2004, da programação financeira para este ano. A expectativa da base é que essas mudanças no decreto estejam publicadas e decididas no máximo até a próxima terça-feira. A modificação do decreto é necessária para que convênios possam ser renovados e licitações possam ser feitas nos municípios após 31 de dezembro de 2004. Se o governo empenhar as emendas de parlamentares até dezembro, o dinheiro só será de fato liberado no ano seguinte. Para complicar mais o caos já instalado na base, a esquerda petista deu novamente o ar da graça. Extremamente incomodados com a condução do processo Legislativo e críticos inconformados da falta de diálogo com o Executivo, 15 representantes da dessa do PT preparam um novo manifesto. Aproveitando-se de que o clima é de rebelião geral, eles querem discutir em profundidade projetos em tramitação e defendem a rejeição da MP 207, que deu "status" de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. "Nós não vamos mais ser uma base que fica só aguardando as orientações do governo. Queremos interferir nas discussões", afirmou o deputado Chico Alencar (PT-RJ). "Não vamos mais votar tudo que o governo quer sem debater", emendou o deputado Ivan Valente (SP). Para ele "o governo não pode ficar ainda mais refém do clientelismo e do fisiologismo". A esquerda petista também se articula para exigir um debate profundo sobre o resultado das eleições para o PT, durante reunião do diretório nacional nos dias 21 e 22. Eles pretendem produzir um documento de toda a bancada na Câmara para servir de subsídio à análise. A oposição tenta faturar em cima da crise. Para o líder do PFL na Câmara, José Carlos Aleluia (BA), a inconstância na base impede qualquer negociação com a oposição. "Eles tem que se entender primeiro", disse. Aleluia criticou o balcão de negócios do governo com a base, apesar de a prática não ser diferente do governo anterior, do qual o PFL fazia parte. A barganha declarada de fato constrange os aliados. "Essa posição da base na Câmara mostrou que o Congresso tem uma posição em relação ao governo, embora eu e o PSB não concordemos com esse método de negociação", disse o líder do partido na Casa, Renato Casagrande (ES). O plenário da Câmara permaneceu praticamente vazio ontem. O imobilismo já prejudica o funcionamento dos serviços públicos e de órgãos federais. A MP 196, que dá crédito de R$ 86 milhões para o Ministério da Agricultura, não foi votada ontem e perderá a eficácia na terça-feira. Já no Senado, algumas votações avançaram. A pauta foi liberada após acordo entre governistas e oposição para rejeitar a MP 195, que determinava a colocação de dispositivos nos televisores para bloquear programações consideradas inadequadas. O governo reconheceu que há equívocos de mérito no projeto, que poderiam levar a uma espécie de censura. Na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, foram votados projetos relevantes. Um deles é o que cria regras e obstáculos para o financiamento do BNDES a empresas cujo controle acionário seja de residentes no exterior. Com o atraso das votações, já há parlamentares que apostam que haverá convocação extraordinária do Congresso em dezembro e em janeiro de 2005.