Título: Doença de Cristina não provoca instabilidade
Autor: Moffett , Matt
Fonte: Valor Econômico, 29/12/2011, Internacional, p. A8

A operação de emergência da presidente Cristina Kirchner para tratar de um câncer de tiroide coloca em foco o vice-presidente, Amado Boudou, um guitarrista amador que foi ministro da Fazenda e que vai administrar o país por pelo menos três semanas em janeiro, durante o período em que ela estará no hospital e em convalescença.

Durante a campanha até a reeleição com uma vitória esmagadora de Cristina em outubro, a inclinação de Boudou por festas com estrelas de rock e outras celebridades muitas vezes ofuscou suas ideias. Mas analistas dizem que Cristina colocou Boudou a bordo precisamente porque ele não tinha peso político dentro do Partido Peronista para vir a se tornar um rival dela. Agora que a presidente será obrigada a se afastar da arena política por pelo menos algumas semanas depois da cirurgia, na quarta-feira, ela provavelmente está aliviada por ter escolhido o fotogênico Boudou, de 48 anos, dizem os analistas.

A maioria dos especialistas médicos considera que os prognósticos de Cristina são bons, e os investidores e políticos parecem ter assimilado com tranquilidade o anúncio da doença da presidente na noite de terça-feira.

Com uma aparência vibrante, Cristina, de 58 anos, compareceu ontem a um evento com governadores das Províncias e brincou com Boudou sobre as responsabilidade que ele está para assumir.

"Veja como é importante que o vice-presidente pense da mesma maneira que a pessoa que foi escolhida para guiar o destino do país", disse ela. Depois, em meio a gargalhadas da audiência, Cristina se virou para Boudou e completou: "Veja lá o que você vai fazer, hein!"

Cristina também fez, durante o discurso, alusões à briga desastrosa que teve com o seu vice-presidente Julio Cobos, durante a primeira gestão. Em julho de 2008, em um momento de amarga polarização do debate no Congresso em torno da proposta de Cristina de aumentar os impostos sobre a exportação de grãos, Cobos foi colocado em uma posição de dar o voto de minerva como presidente do Senado.

Cobos, que saiu de um distrito agrário, votou não, numa posição contrária à de Cristina, causando ao governo uma derrota humilhante. Nos três anos seguintes da presidência de Cristina, Cobos foi relegado ao ostracismo pela mandatária e seus aliados.

Hoje, ao contrário, ter Boudou no cargo "permite que Cristina se recupere sem nenhuma preocupação com algum potencial esquema de seu vice-presidente para usurpar poder ou tirar proveito da situação", disse Mark Jones, cientista político da Universidade Rice, dos Estados Unidos. "Se o vice-presidente não fosse obstinadamente leal à Cristina, eu suspeito que uma série de tópicos, que vão de sucessão a tentativas de tomar controle temporário, estariam causando grande preocupação para Cristina e seu círculo mais próximo."

Depois de anunciar planos para um segundo mandato neste ano, Cristina disse que a principal razão pela qual ela escolheu Boudou, em detrimento de alguns governadores peronistas, foi sua "lealdade".

De forma geral, os investidores gostam de Boudou, por considerá-lo filosoficamente um dos principais defensores dos mercados entre os membros do governo de Cristina. Quando assumiu o cargo de ministro da Fazenda em 2009, Boudou definiu várias prioridades com as quais os investidores concordaram, entre elas o restabelecimento da credibilidade das estatísticas de inflação do país e o pagamento de cerca de US$ 7 bilhões em dívida com as nações desenvolvidas do Clube de Paris.

Mas Boudou nunca conseguiu atingir essas metas por causa da resistência dos membros mais populistas do círculo íntimo de Cristina, incluindo o já falecido marido e antecessor Néstor, que morreu de ataque cardíaco em outubro de 2010. Mas o mercado deu a Boudou crédito por ter a linha de pensamento correta.