Título: Disputas no Congresso prejudicam as reformas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2004, Opinião, p. A14
O Congresso nada fez durante as eleições, o que era esperado, e insinua nada fazer até o fim do ano, o que é nocivo ao país. Restos do passado, como a reeleição para as presidências do Senado e da Cãmara dos Deputados, têm alto poder paralisante sobre as votações nas duas Casas. Os movimentos no tabuleiro político pós-eleitoral contribuem com nova dose de impasse para a aprovação de projetos necessários à melhoria do ambiente econômico-institucional. A avaliação dos resultados das eleições municipais mobilizaram as bancadas em direção à cobrança de uma conta que o governo Lula provavelmente não esperava para agora, e muito menos com pagamento à vista. Das urnas saíram vereditos que apontam para direções opostas, mas que estão convergindo contra o governo. Houve o fortalecimento dos partidos da base governista que optaram por lançar-se, na maior parte dos casos, sem coligação com a legenda governista ou em oposição a ela. A federação de interesses reunidas no PMDB conseguiu manter-se como força eleitoral em quase 20% dos municípios e o PSDB firmou-se como a principal força oposicionista. O PT avançou em extensão eleitoral, mas perdeu nas principais capitais, o que criou um ambiente de fragilidade para o governo que tanto aliados como adversários tentam agora se aproveitar. O governo tenta se livrar como pode dar pressões, e o instinto natural é caminhar pelas trilhas usuais, como a liberação de verbas e o aceno com possíveis novos cargos a aliados na administração federal. Mas o PT no poder mantém uma forte blindagem sobre os gastos, o que tem limitado até agora o uso amplo de barganhas com dinheiro público. Todos os ministérios vitais para a execução de uma política econômica austera estão nas mãos do partido e não foram, em nenhum momento, mercadoria de troca. Que vários desses ministros tenham trabalhado para a garantir a própria irrelevância e que cargos de estatais e fundos de pensão tenham abrigado os passageiros da aliança parlamentar não muda o tom da gestão atual - não há ninguém que possa chegar perto do cofre federal sem passar pelas ante-salas da Fazenda e do Tesouro, e, mesmo assim, com poucas chances de ser atendido. Parte das queixas dos aliados concentra-se no fato de que o governo não os brindou com cargos em que as verbas sejam expressivas e garantidas. A austeridade fiscal torna um mau negócio alianças com o governo em moldes tradicionais. Por isso o PMDB pode bandear-se para a oposição e várias forças governistas pensam em fazer corpo mole até conseguirem termos mais equilibrados na balança do poder - fazer, por exemplo, com que cargos e verbas coincidam de endereço. Por enquanto Lula oferece um refresco na mais que apertada execução orçamentária que, a 50 dias do fim do ano, sequer atingiu metade dos investimentos. Serão liberados R$ 600 milhões para atender emendas de parlamentares que, na melhor das hipóteses atuais, poderão ser contempladas com R$ 1,2 bilhão de R$ 1,6 bilhão previsto no ano. O vácuo político pós-eleitoral, entretanto, pode fazer mal à economia antes que as forças no Congresso encontrem um novo centro de gravidade. PMDB, PL, PTB e PP, quatro forças da base governista, estão obstruindo as votações, cuja pauta, por outro lado, se encontra entulhada de Medidas Provisórias. Em termos de produtividade legislativa, 2004 está confirmando as piores expectativas. Em 20 semanas, o Congresso só votou trivialidades e as seis que restam no ano estão ameaças pela inação. O sectarismo e os interesses partidários podem atrasar medidas importantes para o país que já contavam, até certo ponto, com o apoio das mesmas forças que agora estão assanhadas por precipitações eleitorais. É o caso de parcelas da reforma do Judiciário e da reforma tributária, que aguardam aprovação final, e da proposta de emenda constitucional que disciplina as agências reguladoras. Elas são tão essenciais para a regulação microeconômica quanto a Lei de Falências, que voltou à Câmara e que também padece no limbo dos parlamentares. Com alguma sorte, é possível a aprovação, ainda este ano, das Parcerias Público-Privadas, para o que, após as necessárias correções do Congresso ao projeto original, já se chegou a um consenso razoável. O Congresso, porém, deveria estar à altura de suas funções e de um calendário de trabalho menos generoso. Após meses de discussões, ele tem por obrigação votar - a favor ou contra - os projetos parados, para os quais já há avaliações seguras sobre suas consequências. Eles são essenciais para que, sejam quais forem as forças que se lançarão à disputa presidencial de 2006, elas possa encontrar uma economia em melhores condições que as atuais.