Título: Brasil provoca admiração e medo entre os franceses
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2004, Especial, p. A16
O Brasil provoca um misto de admiração e pânico entre agricultores franceses. No caso de açúcar e etanol, o temor é ainda maior. Os franceses admitem que perderão espaço para o Brasil em terceiros mercados, mas querem impedir que o país exporte para a UE. Há muito açúcar no mercado mundial. Em 2003, a produção foi de 132,8 milhões de toneladas, para um consumo de 128 milhões de toneladas. O consumo mundial aumenta 2 milhões de toneladas por ano e, segundo os franceses, só há um ganhador: o Brasil, com seu açúcar de cana barato. Pelos cálculos de entidades agrícolas francesas, os embarques brasileiros alcançarão 30 milhões de toneladas em 2010, enquanto a Europa deixará de exportar as 5 milhões atuais. A produção global de açúcar é repartida entre 70% proveniente da cana e 30% da beterraba. Desde os anos 70, o volume de cana explodiu, impulsionado pela produção brasileira, até atingir um diferencial de 58 milhões de toneladas entre as produções de cana e de beterraba, há dois anos. Para Daniel Collard, presidente da Federação das Cooperativas de Produtores de Beterraba, não tem jeito: a Europa só poderá salvar a beterraba se Bruxelas protegê-la da concorrência do Brasil, com altas tarifas de importação para impedir a entrada do produto brasileiro no mercado europeu. "O Brasil distorce a concorrência em três fatores: social, ambiental e pela sua moeda desvalorizada", diz. "É incrível que a França apóie o Brasil no FMI, o país embolse empréstimos e depois a moeda se desvalorize a esse ponto", reclama Alain Comissaire, da Cristal Union. Numa visita à refinaria de Arcis-sur-Aube, Collard e diretores do grupo não pararam de fazer referências ao endurecimento de regulamentações européias, com aumento dos custos. "Vocês têm isso no Brasil?", indagavam com freqüência. Os escritórios da refinaria estão sendo deslocados a 25 metros de distância dos fornos de produção. Um grande forno vai ser desmontado porque Bruxelas diz que ele está superado. Um enorme tanque está sendo construído para toda a água usada ser controlada antes de despejada na natureza. Os clientes aumentam as exigências de segurança. Temendo sabotagens terroristas sobre o açúcar que compram, empresas como Coca-Cola exigem que as usinas controlem duramente quem entra e quem sai e que o produto não fique exposto. Assim, o açúcar vai direto para os silos sem que ninguém possa vê-lo, tocá-lo ou experimentá-lo. Por razões de segurança exigida pelos compradores, todo o circuito é fechado. Na UE, 70% dos compradores são indústrias e só 30% do açúcar vai para o consumidor final. "É por isso que o Brasil não venderá açúcar branco para a Europa" diz Jean Michel Henry, assessor dos agricultores. "O cliente quer controle total e não deixará o produto vir de longe". A população vizinha também pressiona contra o forte odor da beterraba, contra o barulho e agora, também, contra a iluminação. A Cristal Union, que produz 26% da cota francesa de açúcar, é controlada por 5 mil produtores. Instalada no coração da região com os melhores rendimentos agrícolas da Europa, a usina de Arcis-sur-Aube recebe diariamente o carregamento de 800 caminhões. Cada caminhão despeja cerca de 200 quilos de beterraba. Uma pequena quantidade é retida numa esteira para inspeção, é lavada e cortada por quatro operárias sob o olhar atento de um representante do Sindicato dos Agricultores da Beterraba. Uma quinta operária transforma o legume numa pequena bola de sorvete e passa para uma técnica no laboratório, que identifica a quantidade de açúcar na beterraba. É nessa base que o agricultor será pago. Depois, todo o carregamento já lavado entra no forno para se transformar em açúcar. Os investimentos são elevados e a rentabilidade limitada, porque as usinas só funcionam três meses por ano, durante a colheita da beterraba. Já a destilaria funciona 300 dias por ano, na produção de álcool para uso industrial. Para os franceses, se houver liberalização completa no mercado global de açúcar "o Brasil ganha 100%". Abrindo um gráfico sobre a mesa, Jerome Bignon, da FCB, exclama: "É incrível! O Brasil não só é um ator incontornável como está prevendo mais 40 usinas para o futuro - e barato", afirma. Os franceses também querem impedir a entrada indireta de açúcar, através de etanol. Se depender deles, a UE só deixa o etanol brasileiro entrar após 2010. A oferta de cota de 1 bilhão de litros/ano ao Brasil feita pela UE nas negociações com o Mercosul, é vista com irritação. "Os EUA só admitem a importação de 7% do seu consumo. Na Europa, devemos dar um percentual do consumo para o Brasil de dois dígitos, mas com cuidado, senão acabamos de vez com o interesse em investir no setor", diz Bignon. Segundo ele, 600 milhões de litros de etanol representam 960 mil toneladas de açúcar. (AM)