Título: Meirelles defende liberalização
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2004, Finanças, p. C1

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que os direcionamentos obrigatórios de crédito são uma das três principais causas dos altos "spreads" bancários vigentes no país, em exposição apresentada ontem no Palácio do Planalto, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o "Conselhão". Os outros dois fatores que encarecem o crédito, na visão de Meirelles, são os níveis de inadimplência e o risco legal, ligado à execução de garantias. Segundo reportagem publicada ontem pelo Valor, o governo quer reduzir o crédito direcionado - como o rural, habitacional e do BNDES - de forma gradual, substituindo a atual fórmula de subsídios cruzados por um sistema em que os subsídios sejam claros e transparentes no Orçamento da União. O ministro do Planejamento, Guido Mantega, confirmou que o assunto está sendo debatido no governo. "Nós estudamos tudo, mas ainda não temos um posicionamento fechado sobre isso", afirmou. Já o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, negou a hipótese de acabar com os direcionamentos, mas admitiu que o governo faz estudos sobre o assunto. "A questão do crédito direcionado está fazendo parte dos estudos para que as pessoas entendam quais são os determinantes do spread bancária." Ontem, Meirelles não entrou em detalhes sobre como seria desmontado o sistema de subsídios no crédito. Mas, na presença de uma platéia composta por empresários - setor que é beneficiado diretamente pela política de crédito direcionado -, fez questão de explicar, longa e detalhadamente, como o sistema encarece o "spread" bancário como um todo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que propôs que o encontro discutisse os "spreads", acompanhou as principais apresentações. O presidente do BC começou sua exposição mostrando que 36% do crédito da economia é formado por direcionamentos obrigatórios: 10,7% para os empréstimos rurais, 5,2% para a habitação e 19,8% nas linhas do BNDES. "Por que a aplicação compulsória de crédito aumenta o spread?", perguntou Meirelles em uma das transparências, para em seguida responder: "Ao exigir a concessão de taxas menores do que as livremente pactuadas no mercado a certas atividades, obriga-se a instituição a elevar taxas em outras operações. Há um mecanismo de subsídio cruzado que onera grande parte dos tomadores". Para apoiar esse raciocínio, Meirelles apresentou uma situação hipotética, em que o lucro dos bancos seria zero, assim como a inadimplência e os compulsórios - e em que a remuneração exigida pelos depositantes dos bancos seria de 5%, e os custos dos empréstimos, de R$ 5 mil. Pois nessa situação hipotética, em que não haveria direcionamentos obrigatórios, a taxa de juros seria de 10% ao ano. Mas, ressaltou Meirelles, se fosse criado um direcionamento de 50% para "um certo segmento empresarial, cobrando no máximo 2% ao ano", a taxa de remuneração saltaria de 10% para 18%. O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, assumiu a palavra pouco depois e disse que o custo dos empréstimos do BNDES - os quais contêm subsídios cruzados, segundo apresentação de Meirelles - ainda é alto e inviabiliza projetos de investimento. "A TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) está em 9,75% ao ano, enquanto o retorno de projetos do setor produtivo é de 6%, 7% ou 8%." Skaf defendeu maior competição no sistema bancário e disse que, no Brasil, esse setor se apropria de uma receita equivalente a 3,47% do PIB, devido ao alto spread. Na mesma linha, o secretário de relações internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Vaccari Neto, criticou os altos lucros dos bancos. O presidente da Federação das Associações de Bancos (Febraban), Márcio Cypriano, refez os cálculos apresentados por Meirelles - a diferença é que, em vez de enfatizar o peso do crédito direcionado, deu maior importância aos impostos e compulsórios. "Num mundo hipotético, sem inadimplência, custos administrativos nem pagamento de remuneração aos depositantes, ainda assim o juro dos empréstimos precisaria ser de 29,4% ao ano apenas para fazer frente aos pagamentos de tributos." Meirelles retomou a palavra e disse que o problema não é o retorno supostamente alto obtido pelas instituições financeiras, mas a baixa rentabilidade de outros setores. "Temos que trabalhar para aumentar o lucro de outros setores, não podemos nivelar por baixo", afirmou, sem negar a importância de injetar maior competição no setor. Meirelles disse que uma eventual redução de compulsórios depende de condições macroeconômicas que permitam afrouxar a política monetária. Lembrou que os compulsórios sobre depósitos a prazo, hoje em 10% ao ano, foram criados em 2002, num contexto de crise e aumento excessivo de liquidez na economia. Até hoje, o nível de liquidez permanece alto - no último dia 5, a liquidez enxugada pelo BC era de R$ 65,136 bilhões. Palocci disse que, no próximo ano, deverão ser adotadas medidas de desoneração tributária do crédito.