Título: Discurso pouco afinado
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2010, Política, p. 2

Enquanto Lula busca desqualificar as denúncias contra Erenice, Dilma pede punição drástica para implicados no caso

A presidenciável Dilma Rousseff (PT) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotaram tons distintos para comentar as denúncias envolvendo a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, ontem, em Campinas (SP). Enquanto a candidata buscou se afastar das acusações e pediu apuração rigorosa sobre o suposto lobby ilegal praticado por familiares de sua ex-assessora no ministério, Lula tentou desqualificar os ataques e apontou uma suposta motivação eleitoral como principal combustível do escândalo.

De manhã, Dilma manteve a estratégia traçada pelo marketing de campanha petista e buscou se descolar da imagem de Erenice. Depois de lavar as mãos para o caso e garantir que não sabia da atuação como lobista de Israel Guerra, filho da ex-ministra, dentro do governo, a candidata do PT pediu punição exemplar para os envolvidos no episódio de tráfico de influência no quarto andar do Palácio do Planalto. Todas as denúncias têm de ser rigorosamente apuradas e investigadas. Acredito que as pessoas culpadas têm de ser drasticamente punidas, afirmou.

A presidenciável petista foi ao interior paulista para um comício com o presidente Lula e tomou café da manhã com o ator Benicio Del Toro, conhecido por ter interpretado o guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara nos cinemas. De acordo com Dilma, o artista se mostrou interessado pela campanha eleitoral no Brasil e se mantém inteirado sobre a realidade da America Latina e do Caribe. Ele estava muito interessado na eleição. Parece que ele vai ao comício. Acho que vai ser interessante. No Brasil, nós mostramos para ele que nós somos os únicos que fazem comício neste país, provocou a candidata.

Confiança Ao comentar o caso Erenice, Dilma reafirmou confiança na atuação da ex-assessora, mas garantiu que nunca soube de irregularidades cometidas por familiares da antiga colaboradora. Qualquer ato que a desabone tem que ser provado, e não vice-versa. Eu aguardo, não faço pré-julgamento. A ministra Erenice trabalhou comigo e, enquanto trabalhou comigo, demonstrou muita capacidade, afirmou a candidata. Considerada braço-direito de Dilma quando a presidenciável era titular da Casa Civil, Erenice foi alçada à condição de ministra por pedido pessoal da petista ao presidente. Acabou demitida depois de 168 dias no posto, chamuscada por uma série de denúncias.

Se Dilma atribuiu gravidade ao escândalo e lavou as mãos quanto à atuação de Israel como lobista de empresas privadas, Lula buscou minimizar os efeitos eleitorais do caso, desqualificando as acusações. Durante o comício no interior paulista, ele atribuiu o episódio ao jogo eleitoral.

No palanque, ao lado de Dilma, o presidente da República recomendou que a candidata não perca o bom humor por causa da série de denúncias. Se mantenham tranquilos, porque outra vez, Dilma, nós não vamos derrotar apenas os nossos adversários tucanos. Nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como se fossem partido político e não tem coragem de dizer que são partido político, atacou Lula.

Eu aguardo, não faço pré-julgamento. A ministra Erenice trabalhou comigo e, enquanto trabalhou comigo, demonstrou muita capacidade

Dilma Rousseff, candidata à Presidência pelo PT

Outra vez, Dilma, nós não vamos derrotar apenas os nossos adversários tucanos. Nós vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como se fossem partido político

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Governo vê crise interna

O governo tentará conter nas próximas semanas o que considera a motivação principal pela avalanche de denúncias contra a ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra: a disputa pelo controle dos Correios. Ontem, novas reportagens trouxeram mais ataques contra a ex-titular da pasta mais importante do Executivo e a própria Erenice atribuiu sua queda do cargo a uma traição do ex-assessor Vinícius Castro. De olho na repercussão eleitoral do caso, os tucanos anunciaram que vão pedir a convocação da presidenciável Dilma Rousseff (PT), ex-chefe de Erenice, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Depois das denúncias contra tráfico de influência praticado por Vinícius e familiares nos setores aéreo e de mineração, além de suposto empreguismo em órgãos públicos do DF em favor do filho, Israel Guerra, e do irmão, José Euricélio Alves de Carvalho como mostrou o Correio , Erenice viu o rol de irregularidades ganhar corpo ontem. Novas notícias de lobby no setor de telefonia e pagamento de propina dentro das dependências da Casa Civil para a compra do medicamento Tamiflu foram publicadas pela revista Veja. De acordo com a revista, Vinícius teria recebido R$ 200 mil em dinheiro. O governo está fazendo o necessário para apurar o caso. Agiu rápido e colocou vários órgãos para analisar as denúncias. Agora, temos de esperar as investigações serem concluídas, é uma questão de tempo, avalia o líder do governo na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (PT-SP).

O Palácio do Planalto avalia que parte das denúncias veio à tona já como resultado de uma disputa de poder dentro dos Correios. O ex-assessor acusado por Erenice de traição é sobrinho do ex-diretor de operações da estatal, Marcos Antônio de Oliveira, demitido do órgão em junho. Troquei o diretor de operações, o presidente e o diretor de recursos humanos (dos Correios). Creio que pago um preço por isso, mas não me arrependo, revelou a ex-ministra, em entrevista à revista IstoÉ. Em nota, o Ministério de Saúde disse que a compra de Tamiflu no auge da gripe suína, no ano passado, foi feita sem intermediários ou interferência da Casa Civil. O preço pago pelo remédio seria ainda 76,6% mais barato do que o praticado no mercado.

Depois dos novos escândalos, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) convocou coletiva na tarde de ontem para informar que encaminhará requerimento convidando Dilma Rousseff a prestar esclarecimentos em audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O senador afirmou que as denúncias envolvendo a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra indicam que existe uma organização criminosa em várias áreas do governo e um rosário de irregularidades na Casa Civil, onde trabalhava Dilma. Existia um propinoduto na Casa Civil, nem mesmo a Saúde foi preservada, atacou Álvaro Dias.

O número

R$ 200 mil

Valor que teria sido pago como propina ao ex-assessor da Casa Civil Vinícius Castro dentro das dependências do ministério

Colaborou Josie Jerônimo