Título: Expresso da irregularidade
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2010, Política, p. 2

Empresa de transporte de cargas envolvida no esquema de lobby da Casa Civil é investigada pelo MP há três anos

Uma das empresas citadas no caso do lobby na Casa Civil, a Via Net Express Transportes já era investigada pelo Ministério Público Federal por supostas irregularidades no transporte de cargas na chamada rede postal noturna da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). No mesmo mês em que um suposto representante da companhia buscava obter novos contratos com os Correios, por meio de tráfico de influência dentro da Casa Civil, a Procuradoria da República do Distrito Federal solicitava à Justiça que determinasse o desmembramento do inquérito policial que investiga desde 2007 focos de corrupção dentro da estatal. Ainda em abril do ano passado, a 10ª Vara Federal do DF determinou a abertura do novo inquérito.

As investigações correm sob sigilo, mas o Correio teve acesso ao pedido do MP para que a Justiça determinasse a separação das investigações, encaminhado em 14 de abril de 2009 e assinado pelos procuradores da República Raquel Branquinho, José Alfredo de Paula Silva e Bruno Caiado de Acioli. Os procuradores relacionam a atuação de dois supostos grupos criminosos dentro dos Correios a possíveis irregularidades em contratos de prestação de serviço de transporte aéreo de encomendas e cargas referentes à rede postal noturna. Esses grupos foram desbaratados pela Polícia Federal em agosto de 2007, na Operação Selo.

Cinco pessoas foram presas na operação acusadas de fraudes nos Correios, num esquema que envolvia lobistas e servidores da ECT responsáveis por direcionar licitações e fraudar concorrências. As investigações prosseguiram e o MP identificou, direta ou indiretamente, a vinculação de pelo menos quatro empresas contratadas para a rede postal noturna aos principais acusados de corrupção dentro dos Correios, entre elas a Via Net Express Transportes Ltda. Na semana passada, uma denúncia de lobby envolvendo empresas que atuam nessa área derrubou Erenice Guerra do cargo de ministra-chefe da Casa Civil.

A revista Veja apontou que Fábio Baracat era proprietário da Via Net Express e sócio da MTA Linhas Aéreas e que buscava obter mais contratos com os Correios. Para ampliar os negócios(1) das empresas de transporte de cargas aéreas, teria sido orientado por um diretor da própria estatal a buscar a ajuda de Israel Guerra. Os dois fecharam um contrato de consultoria e a MTA obteve o contrato nos Correios.

A Via Net se manifestou logo depois da publicação da reportagem, por meio de nota, alegando que Fábio Baracat nunca foi sócio da empresa e que o empreendimento não possui nenhum tipo de contrato de prestação de serviços com os Correios. As investigações do MPF, porém, identificaram um contrato entre a Via Net e os Correios, de 2006, inclusive com privilégios no fechamento a um dos acusados na Operação Selo da PF.

Segundo as informações do MPF repassadas à 10ª Vara Federal em abril do ano passado, para que o juiz decidisse pelo desmembramento do inquérito policial sobre corrupção nos Correios, um dos presos na Operação Selo, Marco Antônio Bulhões, possuía vários contatos de relevo na Diretoria de Operações dos Correios. Cabia a essa diretoria a gestão dos contratos de prestação de serviço de transporte aéreo.

Os procuradores da República informaram que o então diretor de Operações, Carlos Roberto Samartini Dias, foi nomeado ao cargo graças à influência de Marco Bulhões. Há um grande grau de intimidade. Bulhões influencia nos subordinados de Samartini, mostra o inquérito. Depois da operação da PF, o diretor foi afastado.

Um desses subordinados, conforme a investigação do MPF, privilegiou Bulhões no fechamento do contrato da Via Net. Ele sabia que a Via Net estava em dificuldades para levantar toda a documentação exigida pela ECT, prosseguem os procuradores no documento enviado à Justiça. Esse mesmo servidor teria endereçado correspondência à diretoria regional dos Correios em Brasília, comunicando o cancelamento do contrato com a Via Net. O cancelamento ocorreu sem a cobrança de ônus, segundo o MPF, o que contrariou uma das cláusulas do contrato, que previa o transporte consolidado de encomendas da Via Net.

Umbilicalmente Tentativas amigáveis entre Samartini e Bulhões que culminaram no contrato entre a ECT e a Via Net são apenas um dos vícios, elos que unem tais personagens, concluem os procuradores, na justificativa apresentada para pedir o desmembramento do inquérito policial. Segundo o MPF, o serviço prestado pela Via Net está umbilicalmente ligado à prestação de serviços de outras duas empresas que atuavam na rede postal noturna, cujas aeronaves estavam voando ociosas em determinados trechos.

Mesmo assim, um aditivo ao contrato foi assinado, de forma indevida, como concluiu uma auditoria da própria ECT. Quando Fábio Baracat procurou Israel Guerra, segundo as denúncias, ele tentava exatamente mudar as regras nos Correios, de forma que fosse permitido o transporte de cargas aéreas de outros clientes nos mesmos voos contratados pela estatal.

1 - Influência Reportagem da revista Veja mostrou que o filho de Erenice, Israel Guerra, comandava um esquema de tráfico de influência na Casa Civil. A Capital Consultoria e Assessoria, empresa utilizada por Israel, tinha como clientes empreendimentos interessados em ampliar negócios com o governo. Além da comissão pela consultoria, Israel cobrava uma taxa de sucesso em caso de êxito na elaboração dos contratos. Segundo a revista, Erenice Guerra era conivente com os negócios do filho.

O número Faltam 14 dias Para o 1º turno

Contratos legalizados

Tanto a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) quanto a Via Net Express Transportes Ltda. vieram a público para negar qualquer irregularidade nas contratações de empresas de transporte aéreo, logo após as primeiras denúncias do escândalo que derrubou Erenice Guerra do cargo de ministra-chefe da Casa Civil. Os Correios sustentaram que todos os contratos firmados cumprem as leis de licitação e pregão eletrônico. A Via Net, por sua vez, declarou que desconhece Fábio Baracat responsável pelas denúncias de lobby na Casa Civil e a Capital Consultoria e Assessoria, empresa usada pelo filho de Erenice, Israel Guerra, para tráfico de influência no governo.

O Correio tentou ouvir a ECT e a Via Net sobre as investigações em curso no Ministério Público Federal (MPF)(1), que apontam supostas irregularidades na chamada rede postal noturna dentro dos Correios. Os representantes da estatal e da empresa não foram localizados na manhã de ontem.

Na nota divulgada pela assessoria de imprensa após as primeiras denúncias, os Correios informam que, além da Master Top Linhas Aéreas (MTA), mantêm contrato com mais seis empresas para o transporte aéreo de carga, sem detalhar quais são as empresas. Todas passaram pelos mesmos crivos das leis de licitação e pregão eletrônico, diz a nota. A despeito de tentativas de desqualificá-la, a ECT continua merecendo o reconhecimento da população como uma das instituições mais confiáveis do Brasil.

A Via Net Express informou, também em nota divulgada no início da semana, que não possui nenhum tipo de contrato de prestação de serviços com os Correios, nem compra serviços de transporte aéreo nas aeronaves da estatal. Para os transportes das mercadorias dos clientes da Via Net Express, esta utiliza as ofertas das companhias aéreas disponíveis no mercado.

1 - Operação Selo A Operação Selo cumpriu 25 mandados de busca e apreensão e cinco mandados de prisão, no DF, em São Paulo, no Rio e em Pernambuco. As investigações se concentraram no pagamento de propina por diversas empresas, num esquema de fraude de licitações dentro dos Correios. As acusações envolvem direcionamento de licitação, pagamento de propina a partidos e a servidores da estatal e danos ao patrimônio público. As investigações são desdobramentos do escândalo que envolveu Maurício Marinho, ex-chefe de departamento dos Correios. Ele foi filmado recebendo propina num esquema de fraude em licitações. Desde o início, foi pedido o afastamento de 30 servidores dos Correios. Dez ações já foram ajuizadas pelo MPF e 65 pessoas foram processadas por suposto envolvimento nas fraudes detectadas na estatal.

O número 65 São as pessoas já processadas por suposto envolvimento em fraudes nos Correios

Apuração federal

Entenda como funcionou a investigação:

A indicação para a diretoria dos Correios responsável pela administração dos contratos da rede postal é influenciada por empresários.

Esses empresários com influência numa diretoria passam a fazer contatos com subordinados do departamento.

Os funcionários são responsáveis pela gestão de contratos de prestação de serviço de transporte aéreo de encomendas e cargas.

No fechamento dos contratos com as empresas que vão operar a rede postal noturna, os servidores beneficiam empresários com influência na indicação de cargos.

Para fechar contratos, ignoram pendências. Cláusulas são desrespeitadas. Aeronaves voam ociosas em determinados trechos e, mesmo assim, são assinados aditivos.

Fonte: Ministério Público Federal (MPF)