Título: Justiça debate privilégio de juízes
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 11/11/2004, Legislação & Tributos, p. E1

Uma denúncia de uma advogada de Campinas, no interior de São Paulo, contra três juízes estaduais colocará nas mãos dos ministros dos tribunais superiores um debate sobre o sigilo de processos e investigações contra magistrados. O tema é rumoroso, fruto de discussões importantes em seminários e congressos entre juristas e operadores do direito. Mas pela primeira vez o aspecto jurídico da proteção aos magistrados deverá ser questionada e colocada em xeque. A advogada Maria Lúcia Pereira ajuizou uma queixa-crime no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) contra três juízes, duas promotoras, uma delegada e três advogados. A acusação é de falsidade ideológica, ocultação de documentos, prevaricação, uso de documentos falsos e até tortura. Quando o caso chegou ao TJSP, o presidente da corte, Luiz Elias Tâmbara, imediatamente decretou o sigilo do processo. Indignada, Maria Lúcia impetrou um mandado de segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a decisão de Tâmbara. O processo foi distribuído para o ministro Hélio Quaglia Barbosa, ex-desembargador do próprio TJSP recém-chegado ao STJ. Com base na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), o relator julgou extinto o processo por não ser o STJ a instância apropriada para tratar do caso. A legislação determina que o mandado de segurança contra uma ação de um presidente de tribunal deve ser impetrado na própria corte. "Assim será feito, mas eu não desistirei enquanto não derrubar o sigilo do processo. Vou até o Supremo Tribunal Federal (STF) para quebrar o segredo de Justiça", disse a advogada. A denúncia de Maria Lúcia tem 85 páginas. Na ação, ela diz estar sofrendo represálias. O caso começou quando a advogada impetrou uma ação popular na Justiça Federal pedindo o afastamento do presidente da subseção de Campinas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Dijalma Lacerda, que teria cometido atos de corrupção. Lacerda teria então ajuizado duas queixas-crime contra Maria Lúcia na Justiça. Mas, passados 15 meses, a advogada afirma que não soube nada sobre o inquérito ou queixas-crime, não tendo sido intimada, citada ou notificada. "Todos os representados ocultaram o inquérito e o processo para impedir que eu pudesse apresentar defesa", diz Maria Lúcia na denúncia feita ao TJSP. A advogada acusa de participar da trama contra ela o juiz titular da 4ª Vara Criminal de Campinas, Caio Ventosa Chaves, o juiz substituto Eduardo Santos Júnior e a juíza da Vara de Execuções Criminais da cidade, Érika Brandão Raskin. O debate sobre o tema é longo e polêmico. No 66º Encontro do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil, realizado em 10 de outubro em Belém, os magistrados não se constrangeram ao defender veementemente o privilégio dos juízes. Mas o presidente do STJ, Edson Vidigal, tem tentado derrubar tais prerrogativas. "A Constituição diz que todos são iguais", repetiu o ministro algumas vezes em votações na própria corte. O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Grijalbo Coutinho, também é contra o sigilo. "Temos posição contrária a qualquer sigilo concedido a qualquer integrante de poder", diz. O juiz defende a mudança da Loman, que prevê o sigilo automático de qualquer inquérito administrativo sofrido por magistrados.