Título: Crise econômica agrava desigualdade em Portugal
Autor: Wise,Peter
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2011, Internacional, p. A8

Adelaide Renaldo, cujo marido lava carros, não tem como arcar com os livros escolares de seus três filhos. Conceição Viegas era faxineira, mas está sem emprego há dois anos. Seu marido, operário, está desempregado. Maria Vitoria tenta há meses conseguir uma aposentadoria.

Essas mulheres, à espera do lado de fora de um galpão pré-fabricado, na periferia de Lisboa, onde se distribuem alimentos semanalmente, sentem na pele todo o impacto do agravamento da recessão e das árduas medidas de austeridade em Portugal, enquanto o governo esforça-se para cumprir as condições do programa de socorro financeiro de € 78 bilhões recebido pelo país.

"Eles nos dão arroz, feijão, leite, algumas vezes, frutas e salsichas", diz Teresa Ramos, há três meses sem encontrar emprego. "Seria muito difícil sobreviver sem a ajuda." Ela e seu marido desempregado subsistem com os pagamentos da assistência social que mal chegam a € 300 por mês.

As mulheres na fila para receber alimentos na unidade de bem-estar social, chamada O Companheiro, precisam esforçar-se para conseguir chegar ao fim do mês no país mais pobre da Europa Ocidental. Estão do lado mais fraco da balança, no país com maior desigualdade entre ricos e pobres da Europa.

Duas avenidas movimentadas mais à frente, elas podem ver um moderno hospital privado, o maior shopping center de Lisboa e o luxuoso estádio do time do Benfica, de 65 mil assentos, inaugurado em 2003, quando Portugal tentava se recuperar, via construções, de uma recessão anterior.

De acordo com um informe divulgado neste mês pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a desigualdade de renda em Portugal é a maior da Europa. Sociólogos e grupos de assistência social temem que o orçamento público enxuto de 2012, o mais duro de que se tem memória, somado ao desemprego recorde e à economia em retração, agrave ainda mais essa desigualdade.

Um novo estudo da Comissão Europeia (órgão executivo da UE), elaborado pelo Instituto de Análise Social e Econômica do Reino Unido, sustenta que as medidas de austeridade adotadas em Portugal em 2010 foram "claramente regressivas", levando as famílias mais pobres a perder mais renda disponível do que as mais ricas.

Um trabalho de sociólogos portugueses, sustentado por dados da OCDE, mostra que Portugal teve progressos consideráveis na redução da diferença de renda entre 2004 e o início da crise econômica mundial, em 2008. Agora, crescem os receios de que a austeridade cada vez maior reverta essa tendência. "Acho que a esta altura do próximo ano, a desigualdade em Portugal será ainda maior do que é hoje", diz Antonio Barreto, sociólogo que investigou as causas da desigualdade de renda no país. "A maior parte do dano deverá será causado pelos planos para aumentar os limites de qualificação para o seguro-desemprego, o renda mínima e outros benefícios sociais."

A maior preocupação é que a restrição dos benefícios e o endurecimento das alíquotas de impostos criem o que as organizações assistenciais já vêm chamando de "novos pobres" - pessoas que ganham acima do patamar para se qualificar para receber benefícios sociais e isenções tributárias, mas não o suficiente para pagar o empréstimo da casa própria ou despesas cada vez maiores.

"Esse é um risco muito sério para Portugal", diz Isabel Jonet, que administra o Banco Alimentar Contra a Fome, uma organização voluntária que distribui alimentos doados por meio de organizações de bem-estar social. "Essa classe poderia sofrer mais do que os que estão oficialmente abaixo da linha da pobreza, porque eles não estão aptos para receber o apoio social de que precisam."

Os benefícios sociais em Portugal muitas vezes ficam abaixo do nível de subsistência, diz Jonet. "Mais de um milhão de idosos recebem aposentadoria inferior a € 280 por mês", afirma. "Não se pode sobreviver com isso. Uma pessoa que ganha apenas € 620 mensais, para fins tributários, é considerada de "classe média" e [portanto] não está apta a receber a maioria dos benefícios."