Título: Parceria entre Brasil e Japão após a crise
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2011, Opinião, p. A10

No último trimestre de 2008, quando se percebiam fortes indícios de uma grande e longa crise mundial prenunciada nos Estados Unidos, empresários japoneses começaram a procurar mercados internacionais para assegurar o abastecimento de bens, objeto de seus negócios.

Quando da realização de um simpósio internacional em Tóquio, em meados de dezembro de 2008, com a participação de dirigentes das principais universidades de São Paulo - Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - com as homólogas japonesas - Tóquio, Tsukuba e Tecnologia de Tóquio -, uma centena de empresários participou. Eles ouviram atentamente os depoimentos de mais de 80 profundos conhecedores das realidades do Brasil e do Japão, sobre o futuro das relações entre os dois países.

Como os japoneses, em público, apenas fazem perguntas sobre assuntos que sejam de interesse comum, só se percebe o sucesso das reuniões coletivas segundo a proporção da procura posterior deles por encontros isolados com os depoentes. No caso do simpósio citado, dezenas de brasileiros foram procurados e instados, até mesmo, a prolongar sua estada no Japão para consultas particulares. A grande maioria dos empresários japoneses, de pequeno e médio porte, tinha interesse em assegurar fontes de fornecimento estável e constante de produtos, principalmente do setor de agronegócios. Alguns empresários de grande porte, detentores de cadeias de alimentos e bebidas, também solicitaram reuniões à parte.

A partir do primeiro trimestre de 2009, a procura do Brasil por parte dos empresários japoneses se intensificou. Tanto que o representante do Japan External Trade Organization (Jetro) em São Paulo, em entrevista a um jornal brasileiro, relatou que, dentre os 55 escritórios que a entidade mantém no exterior, a posição do escritório de São Paulo, passou de 15º antes da crise para sexto em demanda de informações sobre as possibilidades de negócios no Brasil.

Os japoneses entendem que uma crise é uma grande oportunidade de visualização e sensibilização para as possibilidades de investimentos para o futuro.

A permanente e cultural resistência japonesa para abertura de seu mercado tem sido objeto de pressões internacionais: a constante ameaça da Coreia do Norte, o conturbado relacionamento com a China, a sensibilidade à tomada de pulso da posição americana em qualquer assunto, as dificuldades de acordos bilaterais de livre comércio, e a mudança do foco voltado para os países do Asean etc. Tudo isso tem aumentado a consciência regional da existência de uma disputa oculta, em termos de interesses geopolíticos entre o Japão, a Coreia do Sul e a China, o que inviabiliza a formação de blocos econômicos na região.

A recente presença de centenas de empresários japoneses no Brasil comprova seus interesses em projetos na área social, educacional e de saúde, onde o Brasil tem se tornado líder, sem falar no setor de agronegócios, especialmente em agricultura tropical e energia da biomassa, com o reconhecimento da Embrapa como referência internacional.

No Brasil, os produtores agrícolas produzem o que, quando, e quanto querem, e só vão à procura de compradores no exterior após terem atendido plenamente a demanda interna. No comércio bilateral Brasil e Japão, os dez primeiros produtos são todos primários, isto é, matéria-prima, dos quais sete são do setor de agronegócio e os outros três minério de ferro, celulose e ferro nióbio. É preciso urgentemente agregar valor a esses produtos, pois na importação predominam produtos industrializados.

Após a realização do simpósio em Tóquio, mencionado no início deste texto, os setores acadêmico e empresarial de ambos os países, já com a sensação da proximidade da crise econômica internacional, iniciaram debates sobre a utilidade de operacionalizar o sentido de complementaridade existente entre o Brasil e o Japão. O Brasil tem consciência da necessidade de agregar valor aos seus produtos de exportação para o Japão, Coreia do Sul, Taiwan e China e a de atender imediatamente as exigências desses mercados, conforme as especificações exigidas pelo consumidor final.

Como sabem muito bem os empresários brasileiros e japoneses, a única coisa barata no Japão é o capital, cuja remuneração anual não chega a 0,1% ao ano, e a coisa mais cara no Brasil é o mesmo capital. Portanto, por que não formular uma parceria de interesses comuns, com custos razoáveis, financiamentos de longo prazo com compromisso de pagamento com garantia de fornecimento de produtos a médio e longo prazos com securitização das suas exportações? Fornecimento de tecnologia e atendimento das exigências sanitárias dos produtos?

Neste cenário, ainda faltam iniciativas de empresários brasileiros, cujas respectivas associações setoriais, até mesmo as cooperativas de produtores, ainda não têm sensibilidade sobre a realidade do mercado japonês e de seus consumidores; e que ainda estão muito distante do conhecimento dos americanos e dos chineses que já atuam diretamente naquele país.

Dezenas de projetos estão sendo negociados pelos empresários japoneses que têm procurado o Brasil, alguns já em execução, com seus investimentos diretos ou em parceria com empresários brasileiros. Mas tendo em vista a falta de entidades que possam coordenar essas iniciativas, as conclusões têm sido demoradas. Recentemente, o presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa propôs a instituição de uma comissão empresarial para ajudar na implementação desses projetos.