Título: Collor é quase santo no interior
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2010, Política, p. 10

Candidato ao governo de Alagoas, ex-presidente é popular entre a população pobre, que o considera perseguido por ser nordestino

Maceió Fim de tarde de quinta-feira. Um helicóptero se aproxima da cidade de Matriz de Camaragibe, a 120km da capital alagoana. Cerca de 100 pessoas correm para ver de perto os visitantes e acenam com entusiasmo. Quando a porta abre, eis que surge a celebridade tão aguardada. De blusa clara e pele bronzeada, Fernando Collor de Mello aparece com um sorriso largo e congelado. Imutável até durante as conversas que mantém enquanto caminha. Ele é celebridade no interior alagoano. Possui uma legião de fãs que aguarda ansiosa a visita do ex-presidente, agora em campanha pelo comando do governo local. Para traçar o perfil dessas pessoas e conhecer os motivos que levaram o candidato à liderança nas pesquisas, o Correio viajou por cinco municípios de Alagoas e constatou que o fanatismo por Collor caminha na mesma direção da miséria e da necessidade de sustentar crenças religiosas.

Em Jequiá da Praia, onde o ex-presidente abocanhou 74% dos votos quando disputou o Senado em 2006, a reportagem encontrou famílias alojadas em barracas, sem banheiros ou qualquer perspectiva para a próxima refeição. Em comum, os adesivos de Collor nas paredes e o entusiasmo ao contar quantos votos cada um conseguiu cooptar para o candidato. Ninguém ali sabia ao certo os motivos do apoio. Não ouviram falar em impeachment. Não sabem o que aconteceu na carreira política do ex-presidente. Os comentários dos moradores da cidade sobre a escolha por Collor se limitam à tese de que o alagoano que chegou à Presidência da República foi perseguido porque era nordestino, e retirado do poder por interesse dos poderosos que ele enfrentara à época. É o discurso que os políticos aliados do candidato têm pregado ao longo dos anos.

Aqui em casa temos 10 votos e todos serão no Fernando. Ele é gente boa e sofreu muito porque não queriam um alagoano no poder. Todo mundo aqui gosta dele e achamos que ele merece passar por coisas boas agora, diz a empregada doméstica Valderez de Lima, chamando de casa um pequeno barraco feito de palhas de coqueiro. Todo mundo vota nele por aqui. Disseram que o voto era para ele não ser mais perseguido. Parece que ele é um homem bom, né?, completa Cícero da Silva, que está desempregado e vive em um galpão abandonado com outras sete famílias. Sua casa é delimitada por lençóis velhos pendurados no teto.

Crenças Em Alagoas, a miséria não anda acompanhada somente da fome, de doenças e da desinformação. Para sobreviver a uma realidade sem qualquer perspectiva de futuro em um presente caótico, os alagoanos se apegam a crenças religiosas. Constroem mitos e creem em santidades, ainda que não reconhecidas pelo Vaticano. A popularidade de Collor pegou carona na religiosidade da população. O ex-presidente conseguiu ligar sua imagem à de Frei Damião(1), um religioso de origem italiana que foi missionário em Alagoas e está na fila da beatificação.

Ele é meu candidato porque foi abençoado pelo nosso Frei Damião. Dizem até que o frei aparece para ele e eles conversam. Ele é abençoado mesmo, conta a catadora de sururu Delania de Jesus, rodeada de vizinhos que balançavam a cabeça afirmativamente enquanto ela falava. Esse homem é tudo na minha vida. Ele andava com o frei e por isso é um homem bom, completa o vizinho de Delania, Antonio Berlamino. Ambos vivem em barracas na favela Sururu de Capote, em Maceió.

A imagem de quase santo que Collor cultivou no eleitorado é bem retratada na casa da aposentada Delsa Carvalho e Silva, moradora da comunidade Virgem dos Pobres. Em um altar montado na entrada de casa, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e outra de Maria se misturam a fotos e adesivos do candidato. Ele é bom. Andou muito com Frei Damião. É muito católico. Por isso tudo fiz várias promessas para ele ganhar a eleição para o governo, diz.

1 - Cruzadas missionárias Frei Damião nasceu em 5 de novembro de 1898, em Bozzano, norte da Itália. Em 1931, chegou no Recife, onde trabalhou para disseminar santas missões pelo interior do Nordeste. Elas representavam um tipo de cruzadas missionárias, nas quais eram armados palanques ao ar livre com vários alto-falantes pelos quais o frade transmitia suas mensagens para multidões. Com o tempo, ele se tornou um fenômeno de popularidade. A relação com a família Collor é antiga. Eles financiavam esses comícios e ajudavam o frei a realizar e divulgar suas obras. Graças a isso, Fernando Collor era frequentemente citado nas pregações. Frei Damião faleceu em maio de 1997.

Ele (Fernando Collor de Mello) é bom. Andou muito com Frei Damião. É muito católico. Por isso tudo fiz várias promessas para ele ganhar a eleição para o governo

Delsa Carvalho e Silva (foto), aposentada

Aqui em casa temos 10 votos e todos serão no Fernando. Ele é gente boa e sofreu muito porque não queriam um alagoano no poder

Valderez de Lima, empregada doméstica

Escolhido por Frei Damião

Fernando Collor faz questão de alimentar a imagem criada pela população humilde. Costuma se benzer antes das caminhadas nas comunidades, fala manso e faz cara de sofrimento quando seus aliados discursam em trios elétricos dizendo que ele foi um homem injustiçado e que já sofreu demais. Ele mesmo diz, sem detalhes ou maiores explicações, que tudo que lhe aconteceu foi resultado de perseguição porque ele era um nordestino no poder.

Homem sofrido A imagem de homem sofrido, vítima de preconceito e escolhido por Frei Damião, tem caído bem no estado em que um quarto da população é analfabeta e a taxa de desemprego em relação ao número de habitantes é a maior do país. Prova disso é a forma como as pessoas se espremem para acompanhar Collor pelo interior do estado, em caminhadas por ruas estreitas e com esgotos a céu aberto. Entre mitos, desconhecimentos e miséria, Collor aparece na liderança ainda que apertada das pesquisas, e é tratado como celebridade em municípios que carecem de tudo. (IT)