Título: Mercado nada desprezível
Autor: Mainenti, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2010, Economia, p. 14

América Latina deixa de ser secundária na estratégia comercial brasileira e passa a receber, no intervalo de sete anos, 15,7% a mais de produtos com o selo nacional

O intercâmbio com a América Latina representa cerca de 20% de todo o comércio exterior brasileiro. No ano passado, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), a corrente entre o Brasil e os países da América Latina movimentou US$ 53,4 bilhões, sendo US$ 31,2 bilhões em exportações e US$ 22,2 bilhões em importações. De 2003 a 2009, os embarques nacionais para os países da América Latina e o Caribe aumentaram 15,7%.

O crescimento dos países da região favorece a estratégia das políticas públicas brasileiras para diversificação de mercados. Quando falava-se em exportações, pensava-se em Europa e América do Norte. Mas os vizinhos também devem ser olhados como outros mercados, acredita o gerente de Negócios da Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), Sérgio Costa. Na opinião dele, as empresas do país têm um caminho promissor no continente, porque associam competitividade de preço a qualidade de serviços e produtos.

A Argentina já era um grande parceiro econômico e passamos a ter Venezuela, Chile, México, Peru, Colômbia, Cuba e Peru como destinos importantes na região, diz. O gerente de Negócios da Apex-Brasil destaca ainda o aumento de importância do papel do Panamá na região. O país se constitui como uma espécie de hub (aeroporto de conexão) entre a América Central e a do Sul, realiza muitas feiras comerciais internacionais e tem uma indústria da construção aquecida. Como muitos aposentados dos Estados Unidos vão viver no Panamá, o país tem uma população com poder aquisitivo elevadíssimo e ainda realiza altos investimentos em infraestrutura, explica.

Fomento O interesse dos brasileiros pela região pode ser constatado na carteira de financiamentos do Banco Latino-Americano de Exportações (Bladex), cujos recursos provêm de depósitos de bancos centrais latino-americanos e linhas de crédito de instituições internacionais. Entre 42% e 48% das nossas atividades se concentram no Brasil, disse ao Correio o presidente executivo da instituição, Jaime Rivera.

A seu ver, o caminho das empresas de outros países da região para o território brasileiro ainda é mais difícil. Creio que vão crescer os investimentos dos vizinhos no Brasil, mas, para competir no país, as empresas têm que ser grandes, ter qualidade, porque o mercado brasileiro é mais difícil. Por isso, há mais empresas brasileiras indo para outros países da região do que o contrário, avalia.

México O presidente do Bladex(1) afirma que os brasileiros, que já tinham presença marcante na Argentina especialmente no comércio , nos últimos três anos estão buscando outros países, entre eles o Peru. Histórias como a da Odebrecht, que vêm aumentando a presença no país vizinho onde constrói dois importantes corredores viários interoceânicos , refletem o crescimento do país nas áreas de engenharia e construção. Da mesma forma, o Panamá e outros países da América Central passam por um momento de efervescência nos setores de logística, construção e comércio.

As empresas brasileiras são muito competitivas nesses mercados, diz Rivera. Na avaliação dele, mesmo o México, que sofreu mais os efeitos da crise, porque dependia da venda de manufaturados para os Estados Unidos, está se recuperando. E vai voltar a ter ocupação importante de atração de investimentos: O país ainda é hoje o nosso segundo mercado mais importante, depois do Brasil.

1 - Retomada Os negócios do Banco Bladex, que opera na América Latina e nos Estados Unidos, estão voltando ao patamar pré-crise: cresceram 25% nos últimos 12 meses. Para atender à demanda por novos negócios, a instituição criada há 30 anos vive agora uma fase de expansão. Com sede no Panamá e escritórios em São Paulo, Buenos Aires, Cidade do México, Miami e Nova York, o banco planeja abrir unidades em Porto Alegre e Monterrey e instalou-se este ano no Peru, onde aguarda autorização das autoridades locais para iniciar suas operações.

Poucas exceções

Na América Latina, somente o Haiti que sofre as consequências da tragédia causada pelo terremoto de janeiro e que, por isso, deve ter uma queda de 8,5% no Produto Interno Bruto (PIB) e a Venezuela sofrerão retrocesso em suas economias este ano. Na estimativa da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), o país de Hugo Chávez encolherá 3% em 2010. O fato deve-se à forte dependência que a Venezuela tem do petróleo. Com o preço do barril em queda, cai também a renda do país. Além disso, a política intervencionista na economia não agrada aos investidores.

A Venezuela tem um apetite por causa das taxas de retorno elevadas, mas pensando em um horizonte de longo prazo, não é um país que vai atrair investimento. Tem muito intervencionismo na economia, afirma a economista sênior para América Latina do banco RBS, Zeina Latif. Fenômeno semelhante, guardadas as proporções, ocorre na Argentina. Acho que o retrocesso que houve nesse sentido, nos últimos anos, traz preocupação. Estamos falando de inflação de dois dígitos, ou seja, a Argentina está longe de ser uma macroeconomia arrumada, acrescenta Zeina.

Patagônia Na visão da analista, o país do tango só entra na mira dos investidores quando o objetivo são os ganhos de curto prazo, e nada mais. Mas, até mesmo nos mercados considerados críticos, os brasileiros vêm encontrando oportunidades de negócios, especialmente em setores em que o Brasil está à frente da concorrência, como na produção de etanol e biocombustíveis. Nosso maior fornecimento, este ano, irá para a PDVSA (petrolífera venezuelana): são quatro plantas de etanol com capacidade de 700 mil litros, relata o vice-presidente de Tecnologia da Dedini, José Luiz Olivério.

Os investimentos bancados pela estatal de petróleo da Venezuela têm o objetivo de atender à meta de 10% de etanol na composição da gasolina. Ao mesmo tempo, são uma maneira de buscar o desenvolvimento regional, criando formas sustentáveis de emprego e renda. Na Argentina, o preço dos ativos vêm atraindo o interesse em alguns setores específicos, como ocorreu com o Banco do Brasil, que comprou este ano o Banco da Patagônia. As empresas brasileiras estão observando o país como um bom mercado para aquisições, aponta o gerente de negócios da Apex-Brasil, Sérgio Costa. (MM)

Ambiente promissor

A combinação da melhoria da renda e da recuperação dos empregos ao aumento dos projetos em infraestrutura fazem da América Latina uma fonte de atração para investimentos. Na região, vivem uma forte ascensão econômica países como Peru e Panamá. Outros, como Argentina e México, entram em rota de recuperação da crise internacional e voltam também a serem atrativos. O Brasil terá o maior crescimento (7,6%), segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). E economias como Uruguai, Paraguai, Argentina, Peru e República Dominicana se expandirão acima de 6% em 2010. Confira (no quadro ao lado) como analistas e empresários ouvidos pelo Correio enxergam alguns países do continente. (MM)

Manancial de oportunidades

Peru Vem fazendo uma administração responsável das contas públicas e, com isso, tem atraído investimentos externos.

Colômbia É um mercado aberto aos investidores e vem melhorando seu principal problema: a questão da segurança pública.

Argentina O país, que já esteve no olho do furacão, vem dando sinais de recuperação econômica e os preços dos ativos têm atraído investidores.

Panamá É apontado como ponto de conexão entre a América Central e a do Sul, favorecendo o intercâmbio internacional. Tem população com alto poder aquisitivo e uma indústria da construção aquecida.

México Foi o país que mais sofreu os efeitos da crise internacional, porque dependia da venda de manufaturados para os Estados Unidos. Mas está em processo de recuperação.

Venezuela Na estimativa da Cepal, encolherá 3% em 2010, devido à forte dependência que tem do petróleo. Ainda assim, os brasileiros veem oportunidades no país.