Título: A gente tira a ditadura do fuzil
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2010, Mundo, p. 22

Entrevista Roberto Sá

Desafiadas por problemas semelhantes aos de Medellín, as autoridades no Rio de Janeiro se inspiraram no processo colombiano para buscar soluções. O Correio conversou com Roberto Sá, subsecretário de planejamento e integração operacional da Secretaria de Segurança. Ele reconhece que a volta da violência na Comuna 13 serve de alerta importante para o Rio.

Quais são os principais projetos para conter a violência nas favelas do Rio de Janeiro? O projeto que se mostrou viável e consistente para recuperar os territórios outrora dominados por quadrilhas de traficantes ou de milicianos é a nossa política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Eles (os criminosos) exerciam um domínio da comunidade, de quem entrava e saía, quem tinha direito de viver e morrer. Quando a gente entra com a UPP, a gente tira a ditadura do fuzil. É um projeto que aposta numa estratégia de utilizar policiais novos, recém-formados, especializados em polícia comunitária, e em número razoável, que iniba qualquer tentativa do crime organizado de retomar esses territórios.

Houve inspiração nos projetos da Colômbia? A gente viu que, se foi possível lá, poderia ser possível aqui. O conceito e o resultado é que foram inspiradores, mas o processo é muito diferente. Todo o processo, os recursos que utilizamos, a legislação lá tudo foi feito com uma possibilidade legal, normativa, muito mais forte, utilizando as Forças Armadas. Aqui, a gente teve de fazer isso contando só com recursos policiais e sem mudar o estado normativo, com respeito aos direitos humanos, ao devido processo legal e à punição de policiais, havendo desvio de conduta. Mas a Colômbia mostrou que era possível e que podíamos adaptar para a nossa realidade.

E o que vocês aproveitaram de lá? A esperança. Se o Estado formal reconquistou territórios que estavam com pessoas à margem da lei, a gente também pode. O como é que foi muito diferente aqui. Por exemplo, se aqui a responsabilidade fosse do governo federal e pudesse utilizar todo o efetivo das Forças Armadas, seria mais fácil. Lá, usaram homens do Exército nas ruas com poder de polícia, tomando favelas com um efetivo muito grande. Aqui, a gente só pode fazer isso com a polícia e com recursos muito mais limitados. E com um ordenamento jurídico muito mais rígido e de controle social.

A violência nas favelas de Medellín está voltando, e o presidente Santos está revisando a política de segurança... Mas lá eles estavam em patamares alucinantes, de centenas de homícidios dolosos por 100 mil habitantes. E esse número caiu muito, mesmo. Houve um pequeno crescimento, preocupante, mas ainda assim muito melhor do que estava antes. Então, isso mostra que valeu a pena. O que eles precisam saber agora é por que está havendo esse repique e fazer a manutenção do controle. Mas é um alerta importante para nós. Se lá aconteceu isso, se os índices foram derrubados e houve um repique, é um alerta de que temos que ser vigilantes sempre.

Uma crítica que os moradores fazem é que o governo colombiano não investiu em educação e capacitação profissional, e por isso muita gente voltou para o crime. Vocês estão preocupados com isso no Rio? A gente percebeu que a presença policial serviu como uma espécie de porta de entrada para a cidadania. O governo do Estado teve essa compreensão de que agora é preciso entrar educação, saneamento básico, saúde, trabalho e capacitação profissional. Há um projeto muito interessante no Rio, que é a UPP social, complemento da UPP policial. Existe articulação com a secretaria social, que coordena o diagnóstico das necessidades da comunidade e também da entrega de serviços. Pode ser a nossa solução para não ter o repique que teve na Colômbia, isto é, tirar essas pessoas do crime, mas oferecer uma alternativa.