Título: China reúne líderes para ampliar presença na África
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Fonte: Valor Econômico, 01/11/2006, Internacional, p. A13

Os caracteres para África em chinês significam "continente errado". Mas os chineses freqüentemente ignoraram essa sugestão etimológica. No Século XV, emissários do imperador cortaram os mares até lugares distantes, como Moçambique, levando seda e retornando com uma girafa. Na Guerra Fria, os maoístas espalharam hospitais, estádios de futebol e idéias desastrosas pela África.

A partir desta sexta, a China receberá líderes de 48 países do continente errado em Pequim, para lhes oferecer uma pitada de alívio da dívida, um pingo de ajuda, porções generosas adicionais de comércio exterior e investimento.

A China já compra um décimo das exportações da África subsaariana e tem quase US$ 1,2 bilhão em investimentos diretos na região. Uma diáspora chinesa na África já soma um contingente de perto de 80 mil pessoas, incluindo trabalhadores e empresários, que levam espírito e sabedoria empresariais a lugares geralmente visitados apenas pelos veículos utilitários das agências humanitárias.

O que a China ganha com isso? Ela já não quer os corações, mentes ou girafas da África. Na maioria das vezes, quer só petróleo, minérios e madeira - além do seu apoio nas Nações Unidas.

São muitos os beneficiários da fome chinesa por commodities. A República Democrática do Congo (ex-Zaire) e Zâmbia fornecem cobre e cobalto; a África do Sul, minério de ferro e platina. Gabão, Camarões e o Congo-Brazzaville, madeira. Diversos outros países no oeste e no centro da África mandam algodão para a crescente indústria têxtil chinesa.

O petróleo, entretanto, continua sendo o maior negócio da China com os africanos. A Nigéria, maior produtor do continente, vem recebendo muita atenção. A estatal chinesa CNOOC pagou US$ 2,7 bilhões em abril por uma participação minoritária num campo nigeriano; outras empresas chinesas tentam obter direitos de exploração em outros quatro campos.

Em Angola, país que ultrapassou a Arábia Saudita como o maior fornecedor de petróleo para a China, outra companhia chinesa é parceira na exploração de vários campos. E Pequim vem mostrando interesse similar por outros produtores, como Sudão, Guiné Equatorial, Gabão e Congo-Brazzaville; este último vende um terço de sua produção para refinarias chinesas.

Como resultado, o comércio entre China e África cresceu de US$ 3 bilhões, em 1995, para mais de US$ 32 bilhões no ano passado, e deve superar US$ 40 bilhões este ano. Além disso, a China se tornou uma fonte de investimentos. Em 2004, dos US$ 15 bilhões de investimentos externos de todo o continente, US$ 900 milhões vieram da China. Com isso, o crescimento médio da África acelerou para 5,5% em 2005.

Assim, enquanto os chineses obtêm direitos de mineração, consertam ferrovias e instalam dutos, os governos da África fecham suas embaixadas em Taiwan, em deferência à política de "uma China" de Pequim, que considera Taiwan uma sua província rebelde.

Isso convém aos governos da África. A briga por recursos invariavelmente passa pela porta de gabinetes ministeriais, onde as concessões são vendidas e os direitos de exploração são cobrados. A China ajuda os governos africanos a ignorarem os protestos ocidentais sobre direitos humanos: seu apoio permitiu ao Sudão evitar as sanções impostas pela ONU por causa da crise na região de Darfur.

E alguns africanos vêm a China como um modelo de desenvolvimento, substituindo o rígido Consenso de Washington por um Consenso de Pequim: o progresso econômico chinês é mencionado por adeptos da estatização, protecionistas e seus assemelhados para "provar" que a manutenção do controle do Estado sobre empresas, comércio exterior e liberdades civis não detém o crescimento de mais de 8% ao ano de um país.

A parcela chinesa deste enigma é mais fácil de decifrar: mesmo não sendo a primeira potência ávida por recursos a ter um comportamento deplorável na África, a China deve ser condenada independente de o país subornar, adular, ou (no caso do Sudão) permitir o genocídio. Mas o que dizer da esperança da África de que a China seja um modelo econômico?

Lamentavelmente, a China é um obstáculo, assim como uma inspiração. Sua ascensão elevou o preço das matérias-primas tradicionais da África e deprimiu o preço dos bens industriais. Portanto, as fábricas e linhas de montagem da África, da forma como estão, estão perdendo para as suas minas, pedreiras e campos petrolíferos na competição pelo investimento. Mesmo se a mão-de-obra da África é barata o suficiente para concorrer com a mão-de-obra da China, suas estradas, portos e alfândegas estão longe de serem bons o suficiente.

Se quiserem prover postos de trabalho para os seus trabalhadores, não só rendimentos para os seus governos, as economias da África devem encontrar nichos menos expostos na economia mundial, como o turismo ou flores. E eles não devem se espelhar na China, mas no Chile ou em Botsuana, como exemplos de como transformar riqueza natural em prosperidade compartilhada.

A China está fazendo a sua parte para melhorar a infra-estrutura, construindo estradas e ferrovias. Mas poderia fazer mais para liberalizar os seus próprios mercados. A China é bastante aberta para fios para tecidos, mas não para malhas; para diamantes, mas não para jóias. Se ela tem tanta "solidariedade" com a África como afirma ter, deveria oferecer redução de tarifas sobre produtos industrializados.

As empresas chinesas também têm ignorado iniciativas internacionais para tornar projetos de financiamento mais ecológicos (os Princípios do Equador) e para tornar as indústrias de mineração mais limpas (Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativas). Mesmo com o respaldo chinês, esses esforços de fora podem não ter êxito: honestidade e folhagem vêm de dentro. Mas sem a China, certamente fracassarão.

Os líderes da África, de sua parte, também poderiam fazer melhor uso dos seus recursos. Eles precisam falar uns com os outros, como farão os seus anfitriões em Pequim. Se negociarem como um bloco, poderão obter um acordo mais favorável. Da mesma forma que Pequim insiste em exigir que os estrangeiros negociem sociedades com as suas empresas, os africanos também devem se assegurar de que conseguirão obter o know-how da China, não só o seu dinheiro.