Título: Lula reafirma que política econômica não mudará
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2006, Opinião, p. A14

Ministros petistas reviveram, apenas horas depois da reeleição de Lula, o conflito que permanece latente na alma do partido e no coração de seus representantes no governo - o esquerdismo originário versus ortodoxia atual. Coube ao ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, o desabafo espontâneo: "Acabou a era Palocci". Foi um engano, como depois o presidente da República se encarregaria de mostrar em entrevistas ao longo do dia. Na verdade, a época que se iniciou é a da disputa pelo comando da economia no segundo mandato. Lula fez um gesto emblemático para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, quando ela tocou no assunto. "Está tudo aqui", disse o presidente sobre o futuro ministério, apontando a cabeça. Só Lula pode saber o que virá e ele ainda não deu pistas do que quer.

O estilo de decisão do presidente, já conhecido em quatro anos de governo, é moroso. O primeiro ministério de Lula só ficou completo na última hora, às vésperas da posse. Então, como hoje, ele disse, todas as vezes em que foi cobrado sobre definições, que não tinha pressa. Nos últimos momentos, Lula provocou um curto circuito nos planos de José Dirceu, que havia convidado o PMDB a participar do novo governo. Agora é o próprio presidente que irá convocar os pemedebistas para que apresentem suas demandas e será o anfitrião deles em seu ministério.

Lula pode ter dado involuntariamente sinais para que os velhos cacoetes petistas aflorassem, ao levantar a bandeira contra a privatização para encurralar seu rival, Geraldo Alckmin, ao brandir a bandeira dos pobres contra os ricos e ao denunciar a conspiração das elites. Entretanto, é muito remota a possibilidade de que o presidente, no segundo mandato, se distancie da rota econômica que perseguiu até agora, que lhe custou dissabores, mas a qual referendou e da qual colheu seus melhores frutos eleitorais. Ele deixou claro que a política do ex-ministro Antonio Palocci era a sua. Houve quem pensasse que Lula voltara a vacilar entre a ortodoxia do primeiro mandato e os velhos princípios do PT. Se dúvida houve, ela já foi resolvida há mais de quatro anos, quando lançou a "Carta ao Povo Brasileiro".

A esquerda petista não apresentou propostas viáveis para levar o país ao crescimento. Existe um mau humor em relação à baixa expansão da economia e azedumes contra juros altos, metas de inflação e câmbio valorizado. Não há uma receita alternativa coerente. Um dos bons motivos para isso é que o PT ignora o papel dos gastos públicos no xadrez da política econômica. A grande maioria das facções petistas sequer acredita que gastos correntes cada vez maiores, que produzem uma carga tributária extorsiva, sejam um problema - como não era ter o dispendioso e ineficiente cabide de empregos das estatais no passado.

O perigo não é o presidente dar as costas à receita seguida por Palocci, herdada dos tucanos - esse risco é baixo. A ameaça pode vir do menosprezo ao grau de ajuste necessário das contas públicas. Há sinais de que o governo está atento a isso, e há outros sinais de que não está. O governo não deixou de investir até agora por problemas formais de contabilidade, mas algo começa a ser inventado neste sentido, como uma nova forma de mensurar o déficit, para abrir "espaço" a investimentos. Com o nível de gasto atual, este espaço não existe, ele precisa ser construído. Não é uma tarefa fácil, nem óbvia, e para ser bem sucedida necessita não apenas de uma boa política econômica mas também da criatividade, compreensão e esforço da equipe de governo e do apoio vital do Congresso.

O presidente está certo ao dizer que o país raramente reuniu um conjunto de fatores tão favoráveis ao crescimento como agora. Nenhum deles existiria sem a "era Palocci", ou com a aplicação das velhas receitas petistas. A partir de agora, é preciso recuperar a capacidade de investimento do Estado, elevar a taxa de investimentos da economia, remontar a infra-estrutura, criar marcos regulatórios para investimentos privados no saneamento e estimular a formalização da economia. É preciso reduzir os impostos para que o país possa crescer mais e isso só é possível com as contas públicas ordenadas e um déficit nominal em queda. Lula ganhou força nova nas urnas para realizar essas tarefas, porém tudo indica que o "fogo amigo", que tanto infernizou seu primeiro mandato, não desaparecerá amanhã, no segundo.