Título: Cúpula cada vez mais criticada
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 19/09/2010, Mundo, p. 23

O papel desempenhado pela Assembleia-Geral da ONU é questionado por seu ex-presidente às vésperas de mais um encontro anual. Para analistas, organismo deve ser reformado

É sob a sombra de duras críticas ao papel da Assembleia-Geral das Nações Unidas, feitas por seu último presidente, que líderes dos 192 países-membros vão se reunir a partir desta semana em Nova York. Na última segunda-feira, o ex-chanceler líbio Alí Treki denunciou a falta de legitimidade do organismo e a necessidade urgente de uma reforma que envolva também o Conselho de Segurança da ONU reclamações que também deverão fazer parte do repertório, seja de forma oficial ou nos bastidores, dos chefes de Estado e de governo presentes nesta 65ª sessão. Os debates propostos pelas Nações Unidas, no entanto, passarão longe da discussão sobre a real importância do mecanismo multilateral, mantendo o foco sobre o desarmamento e os avanços obtidos pelos Estados-membros em relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Segundo Treki, é injusto que as decisões tomadas pelo maior fórum das Nações Unidas não sejam de cumprimento obrigatório, como ocorre com as deliberações do Conselho de Segurança, formado por apenas 15 membros e somente cinco deles permanentes. Se quisermos que a ONU não esteja na periferia dos principais desafios da atualidade é preciso melhorar seus métodos de trabalho e reforçar sua autoridade à máxima potência, em linha com a Carta da organização. E só com uma Assembleia-Geral forte, a organização poderá desempenhar seu papel, disse o ex-presidente do organismo, que completou seu mandato na última segunda-feira.

O Brasil, representado pela primeira vez no encontro anual da Assembleia pelo chanceler Celso Amorim, também manterá a tradição de clamar pela urgência na reforma da estrutura do Conselho de Segurança, no qual o país almeja um assento permanente. No ano passado, Lula pediu, em seu discurso, uma ONU suficientemente representativa para enfrentar as ameaças à paz mundial, por meio de um Conselho de Segurança renovado, aberto a novos membros permanentes. E, segundo fontes no Itamaraty, o sentimento de insatisfação demonstrado pelo Brasil é compartilhado por vários outros países-membros.

O cientista político William Allen, da Universidade Estadual de Michigan, acredita que o futuro do multilaterialismo vai ser, inclusive, o principal tema debatido nos corredores da sede em Nova York. A ONU corre o risco de ser completamente ignorada nesta era em que as principais negociações internacionais ocorrem fora dela. As Nações Unidas parecem incapazes de desempenhar qualquer papel importante, opina Allen. Depois das críticas de seu antecessor, o novo presidente da Assembleia, o ex-presidente suíço Joseph Deiss, já propôs que o debate geral deste ano tenha como centro a reafirmação do papel central das Nações Unidas na governança global.

Acelerada A meta do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, contudo, é aproveitar os líderes reunidos em Nova York para acelerar dois projetos ambiciosos: o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) e o desarmamento nuclear mundial, que inclui discussões não só sobre Irã e Coreia do Norte, como também sobre o Tratado para a Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT, na sigla em inglês), estagnado desde 1996. Os dois temas serão tratados em reuniões paralelas à cúpula da Assembleia nos dias 20 a 22, ocorrerá a cúpula sobre as metas do milênio e, na sexta-feira 24, será realizada a reunião de alto nível sobre a Conferência do Desarmamento.

Em coletiva na semana passada, Ki-moon reconheceu que o prazo para o cumprimento dos objetivos do milênio com metas para 2015 em relação a temas como combate à pobreza, acesso à saúde e à preservação do meio ambiente (leia mais abaixo) está se aproximando rapidamente e muitos países conseguiram avançar muito pouco, especialmente na África. O encontro da próxima semana servirá para nos impulsionar para os próximos cinco anos. Estou ansioso para ver o que os líderes mundiais vão trazer (para a discussão). Nessa corrida contra o tempo, todos nós temos promessas a cumprir, afirmou. Espera-se que não só os países em desenvolvimento sejam cobrados pelo que fizeram (ou deixaram de fazer) nos últimos 10 anos para cumprir os oito objetivos do milênio, mas também que as potências sejam pressionadas a cumprir com o investimento acordado, referente a 0,7% de seus PIBs e que, na maioria dos casos, não foi repassado sob a justificativa da crise econômica.

Casa de ferreiro » Apesar da preocupação com o desarmamento e a manutenção da paz no mundo, as Nações Unidas não parecem muito preocupadas com a sua própria segurança. Às vésperas de receber líderes dos 192 países-membros na sua sede em Manhattan, o organismo continua ignorando os alertas feitos pela prefeitura de Nova York sobre o risco de ataques terroristas ao quartel-general, que ocupa seis quarteirões às margens do East River. Não estamos satisfeitos com a resposta das Nações Unidas.

Eles não adotaram as recomendações de segurança da cidade em seu câmpus, disse o porta-voz da prefeitura, Jason Post, à rede Fox News. A vulnerabilidade do local é conhecida, mas nem o governo americano nem a prefeitura local têm qualquer ingerência sobre o espaço ocupado pela ONU, que é considerado território internacional.

Se quisermos que a ONU não esteja na periferia dos principais desafios da atualidade, é preciso melhorar seus métodos de trabalho e reforçar sua autoridade à máxima potência

Alí Treki, ex-presidente da Assembleia-Geral da ONU e ex-chanceler da Líbia

Brasil apresentará suas conquistas

Na reunião que avaliará os avanços obtidos pelos países-membros nos últimos 10 anos em relação aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), o Brasil pretende servir como exemplo para as nações em desenvolvimento. O chanceler Celso Amorim levará números que mostram como o país conseguiu avançar no primeiro objetivo, que prevê a redução da pobreza e da fome até 2015, e que indicam que o Brasil, segundo o governo, deverá alcançar a maior parte das metas no prazo estipulado. O último relatório, no entanto, evidencia que o Brasil ainda tem dificuldade em conseguir progressos relacionados à questão da mortalidade infantil e da saúde materna.

A ideia do governo brasileiro é que os números sirvam de vitrine para as suas políticas internas, como o Bolsa Família, que já foi, inclusive, citado em um relatório de junho das Nações Unidas como um programa que tem contribuído para que sejam alcançadas os ODMs. O documento, apresentado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), foi preparado por um painel composto por representantes do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de 14 países, entre eles, o próprio Brasil.

De acordo com os números levantados em março deste ano por 20 ministérios sob a coordenação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Mpog) , o país havia reduzido 25% do seu nível de pobreza extrema até 2007, metade do tempo estipulado. De 1990 para 2008, a quantidade de brasileiros vivendo com menos de US$ 1,25 por dia caiu de 36 milhões para 9 milhões, segundo o governo.

O texto prevê que o Brasil deve atingir a maior parte das metas de universalização da educação primária, de igualdade de gênero e autonomia das mulheres, de combate ao HIV e outras doenças e de sustentabilidade ambiental nos próximos cinco anos. Mas há dificuldades em garantir melhora em algumas regiões e grupos populacionais no que concerne à mortalidade infantil e saúde das gestantes, destaca o relatório. (IF)

O número

25%

Índice de diminuição do nível de pobreza extrema no Brasil entre 2000 e 2007, segundo o governo