Título: Razões para evitar catástrofe climática
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2006, Opinião, p. A15

Arrependei-vos, pois o fim do mundo está próximo. Essa é uma advertência que esperaríamos de um pregador evangélico ou de um ambientalista apocalíptico, não de um economista ponderado. Mas isso é, fundamentalmente, o que Sir Nicholas Stern, autor do novo relatório do governo britânico sobre mudanças climáticas, está dizendo ("The Economics of Climate Change", www.hm-treasury.gov.uk). O tom pode ser sóbrio, mas a conclusão - é preciso agir já, antes que seja tarde demais - não.

Até hoje, muitos economistas, empresários e políticos, especialmente nos EUA, argumentavam que, em vista tanto de incertezas como dos altos custos de ações possivelmente desnecessárias, a melhor política é esperar, ver o que acontece e, se necessário, fazer ajustes. A contribuição do relatório Stern é reverter essa lógica. O estudo argumenta que, diante dessas incertezas e dos custos relativamente baixos de agir agora, a melhor política é agir já.

Como, e com que grau de convicção, essa análise expõe seus argumentos? A resposta, a meu ver, é: "Suficientemente".

A análise tem de partir das conseqüências de "nada fazer". O argumento científico subjacente ao estudo é inequívoco. Desde a revolução industrial, o estoque de gases que provocam o efeito estufa acumulados na atmosfera cresceu do equivalente a 280 partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono para 430 ppm. Se a atual tendência das emissões se mantiver, o estoque de gases-estufa na atmosfera poderá mais que triplicar até o fim deste século.

Os gases-estufa aprisionam calor, sendo essa a razão por que existe vida abundante na Terra. Esses gases são também a causa, afirmam os cientistas, de a Terra ter aquecido cerca de 0,7ºC desde 1900. A persistirem as tendências atuais, as temperaturas poderão subir entre 3ºC e 10ºC em 2100 (ver gráfico). Em meados deste século, e portanto ainda durante a vida de muitas pessoas hoje vivas, o aquecimento poderá atingir de 2ºC a 5ºC. Como a Terra está apenas 5ºC mais quente hoje do que durante a última Idade do Gelo, uma mudança dessa magnitude seria enorme.

Se a temperatura subir 5ºC, poderá haver conseqüências danosas sobre o volume das colheitas; aumentos consideráveis no nível do mar, que ameacem países em desenvolvimento, como Bangladesh, mas também cidades costeiras, como Londres, Xangai e Nova York; escassez de água afetando mais de um bilhão de pessoas; extinções em massa; furacões cada vez mais intensos; e, possivelmente, enormes alterações no sistema climático, com esfriamento local e intenso aquecimento local. Tudo isso lembra proporções bíblicas.

Se o aquecimento é tão abominável, teria um proto-Stern, 12 mil anos atrás, advertido seus contemporâneos para os sombrios resultados de um possível fim da Idade do Gelo? A resposta a essa indagação é, suponho, não. O aquecimento pode ser, e naquele caso foi, muito benéfico. Mas isso não significa que o aquecimento rápido seria hoje também benéfico. Nós - e o restante das formas de vida - estamos bem adaptados ao mundo atual. Embora os humanos tenham enorme capacidade para enfrentar mudanças, a velocidade e a escala das perturbações potenciais testariam essa adaptabilidade no limite.

As análises baseadas em modelos simulados em computador concluíram que os custos da mudança climática ao longo dos dois próximos séculos poderão equivaler a uma redução de 5% no consumo médio per capita. Isso equivale à perda de apenas dois anos de crescimento econômico. Mas os custos de inação poderão ser de até 20% do Produto Mundial Bruto (PMB). O relatório compara tais custos com os associados a "grandes guerras e à depressão econômica da primeira metade do Século XX". O pior, neste caso, é que "será difícil ou impossível reverter essas mudanças". Além disso, esses custos incidiriam pesadamente sobre os mais pobres.

-------------------------------------------------------------------------------- Relatório Stern apresenta as razões para agirmos imediatamente, mas pode estar destinado a ser apenas mais uma exortação fútil --------------------------------------------------------------------------------

Parece simples senso comum, portanto, reduzir os riscos, uma vez que os custos de assim agir são pequenos. Casas raramente pegam fogo, mas poucas pessoas questionariam o acerto de comprar detectores de fumaça baratos.

A questão é: quanto custariam as ações recomendadas. Nesse aspecto, o relatório é animador. Os custos econômicos de redução do crescimento das emissões de gases-estufa parecem modestos. O estudo os estima em apenas 1% do PMB, embora também nesse aspecto haja uma faixa de incerteza. Essa unidade percentual corresponde a apenas poucos meses de crescimento econômico.

O relatório defende a fixação de uma meta de 450 ppm a 550 ppm de dióxido de carbono equivalentes. Mais que isso, diz o estudo, seria muito arriscado; menos, sairia muito caro. Em vista das tendências, atingir até mesmo essa meta exigiria uma mudança enorme. Mas quanto mais as mudanças forem adiadas, maiores serão os riscos e os custos para eliminá-los: "Uma demora nas ações resultará tanto em mais mudanças climáticas como, em última instância, no encarecimento das medidas corretivas". Em vista dos custos e benefícios estimados no relatório, parece sensato partir para ações imediatas. Mas essa conclusão depende em parte da taxa de desconto empregada. Sensatamente, o estudo argumenta não haver razão para que o bem-estar de nossa geração seja intrinsecamente mais valioso do que o de nossos netos. A única outra razão para uma taxa de desconto alta é o grande crescimento econômico. Mas se a mudança climática tornar o crescimento econômico substancialmente mais lento, como parece provável, uma baixa taxa de desconto faria sentido. Sob essa premissa, a justificativa para ações imediatas torna-se ainda forte.

O que precisará ser feito? Adaptação é parte da resposta, porque há uma certeza de aquecimento adicional, tendo em vista as concentrações de gases-estufa já na atmosfera. Mas redução precisa também ser central. Felizmente, muitas das tecnologias necessárias para baixar as emissões de gases-estufa por unidade de produção já são conhecidas. O que também emerge da análise é que não há uma solução predominante. Será necessário um mix de tecnologias. Entre elas, aumentos de eficiência; captura e armazenamento de carbono; energia nuclear; uso de biocombustíveis; e combinação doméstica de calor e eletricidade. Também importantes serão ações de reflorestamento.

Com implementar essas mudanças? Em termos gerais, mediante uma combinação da atribuição de um custo às emissões de gases-estufa, de investimentos em novas tecnologias e de regulamentação da eficiência energética.

Isso levanta a maior de todas as questões: como irá a humanidade enfrentar o que é a um só tempo a maior "falha do mercado" jamais vista e um desafio inédito à sua capacidade de cooperação duradoura em larga escala. Será imaginável que os países do mundo, com suas enormemente distintas visões e interesse, estejam à altura dos desafios de ação coletiva criados pelas mudanças climáticas?

Até hoje, a resposta a essa indagação foi um "não" retumbante. O relatório pode ter apresentado as razões para agirmos imediatamente. Mas ele pode estar destinado a ser apenas mais uma exortação fútil. Se isso é inescapável é a questão que pretendo discutir na próxima semana.