Título: Indústria paulista tenta refazer pontes com Lula
Autor: Landim, Raquel e Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2006, Especial, p. A15

Depois de apoiarem o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, com maior ou menor discrição, empresários paulistas tentam retomar o diálogo com o presidente reeleito Luiz Inácio Lula da Silva. O canal de comunicação deve ser o ministro da Fazenda, Guido Mantega, um aliado da agenda desenvolvimentista. Se ficar no governo, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, também pode ser uma ponte para os empresários.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, esteve ontem em Brasília para conversar com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma das fiadoras de Mantega. Skaf convidou Lula para ir a Fiesp em novembro. Sem alterar a ortodoxia da política econômica, Mantega fez algumas concessões à indústria, como reduções da TJLP, desoneração tributária e mudanças na legislação cambial.

Os empresários se sentem prestigiados pelo ministro, que abriu a agenda para recebê-los. "Mantega tem nosso apoio entusiasmado", diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Newton de Mello. Ele conta que se reuniu "três ou quatro" vezes com Mantega, mas nunca foi recebido pelo ex-ministro Antonio Palocci.

Fontes da Fiesp acreditam que o embate no segundo mandato será entre o setor industrial e o financeiro pela condução da economia. "A briga é dentro do PT, entre os que estão com os bancos e quem está com a indústria", explica um empresário. Para ele, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) tem o apoio de Palocci e Marta Suplicy, e do outro lado estão Mantega, Dilma e o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro.

Em reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Indústrial (CNDI) hoje, os empresários vão expor sua agenda. A reunião será coordenada por Furlan, com a participação de Mantega e Dilma. "Esse conselho é o mais importante canal de interlocução com o governo", diz Armando Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Lula está contrariado com algumas lideranças da indústria paulista e não entende o que define como um "paradoxo": o setor ganhou dinheiro no seu governo, mas não apoiou sua candidatura. Segundo assessores, se Furlan deixar o cargo, o presidente não pretende convidar outro empresário paulista para o ministério. A mágoa de Lula está voltada especialmente para Skaf, que o governo ajudou a eleger na Fiesp em 2004, mas que não retribuiu o apoio.

O presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Cláudio Vaz, declarou abertamente seu voto em Alckmin. Skaf ficou oficialmente neutro, mas em conversas informais, dias antes da eleição, dizia que acreditava em uma virada de Alckmin e sinalizava voto no tucano.

Segundo um industrial paulista, o governo Lula está incomodado com o "aparelhamento" da Fiesp, que acomodou quadros tucanos como Roberto Giannetti e Rubens Barbosa, que ocuparam, respectivamente, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) e o cargo de embaixador do Brasil em Washington no governo Fernando Henrique Cardoso e participaram da campanha de Alckmin. "Lula não sabe se Skaf não apóia o que eles falam ou se faz jogo duplo", diz a fonte.

O presidente da Fiesp ficou decepcionado com atitudes do governo como o reconhecimento da China como economia de mercado. Um empresário do setor têxtil reclama que em uma reunião com Lula para discutir os problemas enfrentados pela indústria, como o câmbio valorizado e a concorrência asiática, o presidente disse que quem estivesse insatisfeito deveria abrir uma fábrica na China.

Skaf não precisa mais do apoio do governo para se manter na Fiesp, pois sua reeleição em 2007 já foi alinhavada. Em 2002, quando comandava a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), ele fez campanha para Lula e seu vice, José de Alencar, dono da Coteminas. Na avaliação de lideranças industriais de São Paulo, uma parcela do setor apoiou Lula em 2002 por um misto de curiosidade e insatisfação com o governo FHC. Em 2006, Lula deixou de ser novidade e a receita do PT na maior parte do mandato foi pouco "desenvolvimentista".

"Não foi todo mundo que ganhou muito dinheiro no governo Lula", diz Synésio Batista da Costa, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Brinquedos (Abrinq), citando os setores exportadores. "A indústria não foi prestigiada pelo governo, que deixou correr frouxa a valorização do real", reclama Humberto Barbato, diretor do Ciesp. Dentro do governo, a mesma avaliação é feita para explicar a distância dos empresários. "O primeiro mandato não foi pró-desenvolvimento", observa um interlocutor de Mantega.

Ideologicamente o empresariado sempre foi mais afinado com o PSDB. Alckmin é paulista, governou o Estado por seis anos, contemplou setores com reduções de ICMS e manteve contato com entidades industriais. Em 2004, Lula prestigiou a posse da diretoria da Fiesp e levou dez ministros, mas a platéia demonstrou sua preferência, ovacionando Alckmin.

Ainda é incerto o futuro de Furlan, mas os empresários não acreditam que Lula o culpe pela falta de apoio da indústria paulista. "Pelo contrário. O Furlan se desgastou muito para ficar ao lado de Lula até o final. Essa postura, inclusive, inviabilizou sua candidatura à presidência da Fiesp", diz uma fonte. Durante a campanha, Furlan promoveu três jantares para Lula com empresários de diferentes regiões.

"Se houver mágoas, estará mais nos assessores do que no presidente. Lula é um pragmático e um vencedor. Não o vejo mantendo distanciamento do empresariado paulista", diz Horácio Lafer Piva, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Papel e Celulose e ex-presidente da Fiesp. Além do pragmatismo, Lula construiu, ao longo do mandato, uma relação direta com grandes empresários, o que reduziu o espaço da Fiesp e outras entidades empresariais junto ao poder, observa um industrial.

Faz parte desta estratégia de Lula a aproximação com o presidente do Conselho da Gerdau, Jorge Gerdau. Este movimento ocorre junto com a redução do prestígio de Aloizio Mercadante, que perdeu a disputa do governo paulista e teve seu assessor direto envolvido no escândalo do dossiê. Mercadante é amigo do vice-presidente da Fiesp e concorrente de Gerdau, Benjamin Steinbruch, da CSN.