Título: Kassab tenta mudar avaliação ruim com orçamento recorde
Autor: Cunto,Raphael Di
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2011, Política, p. A6

Mal avaliado pela população e sem cumprir a maior parte das metas com que se comprometeu ao iniciar o segundo mandato, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), entrará no último de seus sete anos no cargo apostando no pacote eleitoral, na propaganda e na comparação com a gestão petista, da ex-prefeita Marta Suplicy (2001 a 2004), para tentar eleger seu sucessor.

Para isso, contará com um orçamento de R$ 38,7 bilhões, cerca de 8% superior ao do ano passado. Isso permitirá investir R$ 5,2 bilhões apenas com recursos orçamentários, fora outros R$ 7,5 bilhões que Kassab guardou para gastar no ano eleitoral. Para comparar, quando Marta Suplicy (PT) deixou o cargo, em 2004, o orçamento foi de R$ 19,7 bilhões, com R$ 2,4 bilhões indo para investimentos, em valores reajustados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

O aumento de 96,4% em oito anos deve-se ao crescimento na arrecadação de impostos, causado tanto pelo impopular acréscimo de 60% no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) em 2010 quanto à maior atividade econômica na cidade e no país; da cobrança mais firme dos credores, que passaram a ser protestados em cartório; e da nota fiscal eletrônica, que combateu a sonegação.

O volume recorde de recursos será usado para reverter a queda na popularidade do prefeito, que já foi o mais bem avaliado na história de São Paulo, com aprovação de 61% dos moradores, em 2008. Porém, desde então ele vem perdendo apoio dos munícipes e entrará no último ano de mandato com 40% da população avaliando seu governo como ruim ou péssimo, enquanto apenas 20% acham que fez uma administração boa ou ótima, segundo pesquisa Datafolha. Rejeição que só não é maior do que a obtida pelos ex-prefeitos Jânio Quadros (1985 a 1988) e Celso Pitta (1997 a 2000).

A percepção do eleitor sobre a cidade também piorou desde 2008. De 27 itens avaliados pelo Datafolha, como barulho da rua, coleta de lixo e iluminação pública, 22 receberam uma nota menor do que há quatro anos. Os outros cinco não sofreram alteração significativa. A média de satisfação do paulistano com a cidade foi de 5,2 pontos. Em 2008, era de 5,9. Segundo o Ibope, Kassab é o segundo prefeito mais mal avaliado das nove maiores capitais do país.

Para tentar reverter esse quadro, o prefeito planeja fortes investimentos em 2012, embora alguns dos principais compromissos de campanha provavelmente fiquem sem conclusão até o fim do ano (leia abaixo).

Kassab começará as obras de extensão da avenida Doutor Chucri Zaidan, na zona sul da cidade, construirá um túnel de R$ 3 bilhões que ligará a avenida Jornalista Roberto Marinho à rodovia dos Imigrantes, entregará a revitalização do Largo da Batata, na zona oeste, e parte da reurbanização das favelas de Heliópolis e Paraisópolis. O dinheiro para recapeamento de ruas cresceu 34% em relação a 2011 e será de R$ 200 milhões.

A assessoria da prefeitura diz que serão entregues até o fim do ano 50 Assistências Médicas Ambulatoriais (AMA) Sorriso, espécie de pronto-socorro odontológico que foi um dos compromissos do prefeito na campanha. Porém, o site Agenda 2012, que reúne as metas do governo, mostra que elas ainda estão na fase de "definição do imóvel" onde serão construídas e não dá uma data para conclusão de nenhuma delas.

Na área educacional, Kassab pretende concluir a construção de 192 escolas de ensino infantil e fundamental até dezembro. Outras 87 unidades foram feitas desde 2009, segundo a Secretaria Municipal de Educação, o que representa aumento de 61% no número de escolas erguidas no primeiro mandato, que foi de 173.

Neste começo de ano, o prefeito terá provavelmente sua mais dura prova antes da eleição: as chuvas de verão. Nos anos anteriores, as enchentes e alagamentos fizeram a popularidade de Kassab despencar, apesar das alegações do prefeito de que o volume de chuvas estava muito acima do esperado.

Entretanto, a execução orçamentária da prefeitura, disponível na Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão, mostra que o problema não foi só o excesso de chuvas. A administração pretendia gastar R$ 683 milhões em 2011, mas até novembro apenas 42% deste valor havia sido usado.

A assessoria do prefeito argumenta, em nota, que o valor para as ações de drenagem triplicou desde 2005 - era de R$ 78 milhões. Diz, também, que apertou a fiscalização contra o descarte irregular de entulho e que construiu 15 parques lineares, na margem de rios e córregos, com outros 15 em fase de obras, projeto ou desapropriação.

Coordenador da Rede Nossa São Paulo, que reúne mais de 600 organizações da sociedade civil, Oded Grajew acredita que a queda de popularidade de Kassab reflete a incapacidade de resolver os problemas do município. A entidade conseguiu apoio da Câmara Municipal para instituir um plano de metas, que todo prefeito deve apresentar no início da gestão reunindo as promessas de campanha.

Kassab foi o pioneiro nesta iniciativa, mas, das 223 propostas que fez, só cumpriu 60 até agora. "Como os acionistas de uma empresa reagiriam se, depois de três anos, o presidente cumprisse apenas 27% do que prometeu? Era demissão na certa", opina Grajew.

Para o professor de ciência política da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marco Antônio Carvalho Teixeira, Kassab fez um segundo mandato muito ruim. "Aconteceram problemas que a infraestrutura da cidade não deu conta, como as enchentes, e a precarização dos serviços afetou a imagem que ele tinha de bom gestor", afirma. "Sem grandes marcas ou projetos, como foi o Cidade Limpa, a impressão é de que a principal obra dele depois de reeleito foi o PSD e criar um partido não é atribuição de um prefeito", avalia.

Na análise de Teixeira, o pacote eleitoral planejado pelo prefeito não mudará essa imagem porque os eleitores já perceberam a estratégia de políticos que guardam investimentos e inaugurações para o último ano: "A Marta Suplicy teve um pacote eleitoral muito forte, com a maioria dos CEUs [Centros Educacionais Unificados] entregues no último ano, mas, se isso alterou a imagem dela, não foi suficiente para reelegê-la."

O vereador Chico Macena (PT), da oposição ao prefeito, concorda. "A população não é boba, já aprendeu que essas ações não acontecem nos três anos anteriores à eleição. Todo dia que o morador entra no ônibus ele lembra do prefeito. Toda vez que tem enchente ele lembra do prefeito, que prometeu e não cumpriu", diz.

Já o pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), Fernando Guarnieri, diz que ainda não é possível precisar o impacto do pacote eleitoral e que a propaganda da prefeitura pode alterar a percepção do paulistano. "Não vai mudar totalmente [a opinião do eleitor] e não sei se emplaca candidato, mas o Kassab está segurando o jogo e é muito bom de marketing. Em 2008 ele tinha pouquíssimo para apresentar e a aprovação dele foi lá para cima", analisa.

Quando disputou a reeleição em 2008, Kassab promoveu a imagem de que seria um "zelador da cidade". Na época, tinha como vitrines a Cidade Limpa, que acabou com a publicidade que tornava as ruas mais feias, e projetos de grande apelo popular, como as Viradas Esportiva e Cultural, que proporcionam atividades gratuitas para a população por 24 horas ininterruptas.

O pessedista também aproveitou na campanha programas deixados por seu antecessor, José Serra (PSDB), que renunciou à prefeitura para concorrer ao governo estadual em 2006. Do tucano, herdou o Remédio em Casa e a Assistência Médica Ambulatorial (AMA). Também investiu na construção de 25 CEUs - número que, ele faz questão de dizer, foi maior do que o feito pela criadora do projeto, a ex-prefeita Marta.

Agora, quando tenta eleger um sucessor, Kassab usa o bordão "antes não tinha, agora tem" para focar na comparação com a gestão petista e melhorar sua imagem. "No governo Marta, a prefeitura tinha 8,6 mil médicos. Agora tem 14,6 mil. O número de equipes do Programa Saúde da Família dobrou em dois mandatos e chegou a 1,2 mil. Eram 36 parques quando o Serra assumiu e hoje são 84", cita o vereador Natalini (PV), que foi secretário de Participação e Parceria do governo Serra.