Título: Governo estuda excluir do resultado fiscal estatais de energia e saneamento
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 11/12/2006, Brasil, p. A2

Uma nova frente de discussão abriu-se, no governo, na busca de soluções para aumentar os investimentos em infra-estrutura e, com isso, também a taxa de crescimento da economia brasileira. Por sugestão da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), o Ministério da Fazenda estuda a possibilidade de excluir da apuração do resultado fiscal e da dívida líquida do setor público sociedades de economia mista que vivam exclusivamente de receitas próprias, tenham capital aberto e sigam regras de boa governança societária.

Concebida para ser aplicada no âmbito federal, estadual ou municipal, a idéia é livrar essas empresas de restrições ao endividamento público. No caso delas, avalia a Aesbe, tais restrições travam o fluxo de crédito para investimentos que não envolvem qualquer risco fiscal. Uma longa reunião sobre o tema foi realizada entre o secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, e o diretor-financeiro da Sabesp, Rui Affonso, também diretor da Aesbe, e respectivas equipes técnicas, na sexta-feira, em Brasília. A Sabesp é controlada pelo Estado de São Paulo.

Na hipótese de o governo federal encampar a proposta, parte das empresas de água e esgoto e também de energia passaria a receber o mesmo tratamento que hoje é dado aos bancos estatais. Por razão distinta (opera com recursos de terceiros), o sistema bancário público já se equipara ao setor privado para efeitos de apuração de estatísticas fiscais.

O contingenciamento de crédito imposto pelo Conselho Monetário Nacional ao setor público é, atualmente, um grande entrave para expansão dos investimentos em saneamento básico. Devido a ele, as empresas estaduais, responsáveis por 76% do abastecimento de água potável e por 55% dos serviços de coleta de esgoto no país, têm dificuldade de obter crédito do FGTS e do BNDES - as duas mais baratas e, pelo menos sob o ponto de vista da disponibilidade de recursos, também as principais fontes de financiamento do setor.

Em tese, bastaria que o CMN excluísse essas empresas dos limites e restrições de crédito ao setor público, sem necessariamente tratá-las de forma diferente na apuração da dívida e dos resultados fiscais. "Para nós, seria o mais fácil e mais cômodo", diz Marcos Thadeu Abicalil, consultor da Aesbe. A própria entidade, porém, defende uma mudança mais profunda e que, de preferência, envolva uma discussão acadêmica, para evitar que os mercados a interpretem como um relaxamento fiscal.

Essa interpretação poderia surgir em função do impacto que o aumento do fluxo de crédito para investimentos provocaria no superávit primário, no déficit nominal e na dívida líquida do setor público. A proposta de exclusão, diz Abicalil, não deve ser vista como tentativa de maquiar e sim de tornar mais adequadas essas estatísticas. Afinal, argumenta, gastos feitos por empresas que vivem apenas de tarifas e preços públicos, receitas não fiscais, sem nenhuma ajuda financeira dos entes controladores, "não se constituem em gasto público clássico". Especialmente o crédito para investimentos que dão retorno em receita de tarifas não gera risco fiscal, na visão da Aesbe. Uma prova disso é que "não existe inadimplência das empresas estaduais de saneamento" com o FGTS ou o BNDES.

A proposta da Aesbe visa a destravar não só projetos do próprio setor, mas também do de energia. O plano em discussão com o Tesouro envolve a apresentação de um projeto de lei institucionalizando, regulamentando e tornando mais rígido o conceito de empresa estatal não-dependente (EEND) que, embora exista na prática, não está previsto em nenhuma norma atualmente.

O conceito de EEND proposto seria extremamente mais rígido do que aquele hoje utilizado pelo governo federal para compor os orçamento de investimentos das empresas estatais, que é separado do orçamento fiscal da União. Para ficar fora do cálculo do resultado fiscal e da dívida, "não bastará não depender de repasses do entre controlador", diz Abicalil.

Segundo ele, será preciso ainda ter ações negociadas em bolsa de valores, seguir padrões de governança societária, ser fiscalizada por agência reguladora independente, entre outras exigências, para manter padrão de qualidade nos serviços. As exigências relativas ao padrão de governança começariam mais brandas mas, ao fim de determinado prazo, em princípio de cinco anos, o parâmetro seria o Novo Mercado da Bovespa, onde já está a Sabesp. De um total de 24 empresas estaduais de saneamento, na fase inicial de implementação da lei, só sete teriam chance de se enquadrar no conceito proposto e, para ficar nele, ainda teriam de evoluir.

A participação das estatais na geração de superávits primários tem sido maior do que na dívida líquida. Na apuração relativa a setembro, as estaduais, por exemplo, responderam por 2,5% da dívida existente no fim do período e por 6,6% do superávit acumulado no ano. Em função disso, num primeiro momento, a exclusão de algumas empresas pode ter impacto negativo nos números. No médio e longo prazos, porém, permitiria que elas investissem mais sem contaminar esses indicadores fiscais, destaca o consultor da Aesbe.

Abicalil lembra que as regras contábeis recomendadas pelo FMI não impedem esse tipo de exclusão. Tanto que muitos países europeus também desconsideram suas empresas estatais, acrescenta ele.