Título: Trópico das queimadas
Autor: Khodr, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 22/09/2010, Brasil, p. 9

Pesquisa com 500 prefeituras das regiões Norte e Centro-Oeste mostra que quase 90% das cidades que vivem o período de estiagem têm sérios problemas com focos de incêndio

Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios constatou que Goiás, Mato Grosso e Tocantins são os estados que mais sofrem com a combinação seca e fogo. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) estima que nos próximos dias a umidade relativa do ar nessas regiões deve permanecer entre 20% e 30% e prevê chuvas apenas para a próxima semana. Este mês o Sistema de Monitoramento de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais registrou mais 35 mil focos em todo o país, valores menores que o constatado em 2007, ano considerado de estiagem rígida e compatível com a realidade atual.

De acordo com o mapeamento da confederação, realizado por meio de entrevista com mais de 500 prefeituras das regiões Norte e Centro-Oeste, 89,8% das cidades pesquisadas que passam por período de estiagem têm problemas com queimadas e 14 municípios já decretaram situação de emergência.

Especialista em meteorologia, Marcia Seabra explica que a falta de chuva na região nesse período se dá devido à formação de uma massa de ar quente e seca que atua como uma barreira, impedindo a entrada de massas mais frias carregadas de umidade vindas da Amazônia. Essa massa funciona como uma grande bolha de ar seco e quente que impede a formação de nuvens de chuva, diz. Chefe da previsão do tempo, Marcia avisa que apenas em meados de setembro essa massa começa a perder força e prevê chuvas isoladas somente a partir das próximas semanas. Comparado ao mesmo período do ano anterior, mesmo faltando dez dias para o fim do mês, o número de focos de incêndio já ultrapassaria o dobro do valor registrado. Mas 2009 foi considerado um ano atípico, com período de estiagem mais ameno. Em Brasília, por exemplo, a última chuva registrada este ano foi em 26 de maio. A pior marca identificada nos últimos anos foi em 2007, quando a capital ficou 125 dias sem chuva e foram registrados no país mais de 200 mil focos de incêndio durante o ano. Em 2009 a seca durou apenas 67 dias.

Manuseio Para o presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Confederação Nacional dos Agricultores, Assuero Doca Veronez, a origem do fogo não está no manuseio dos produtores agrícolas. A maioria dos focos se forma na beira das estradas, que não tem atenção do poder público. O capim seco contorna a beira das estradas e funciona como combustível para o fogo que se alastra para as áreas de produção e para reservas ecológicas, acredita. Segundo o especialista, quem mais sofre prejuízo com as queimadas nesta época do ano são os pequenos produtores e os fazendeiros que dependem de pastagens. As culturas anuais dos grandes e médios produtores agrícolas já passaram pelas colheitas, e já se prepara o plantio para a próxima safra, conta. São as culturas permanentes de pequenos produtores que têm pés de banana e café, por exemplo, que sofrem maior prejuízo.

O problema não é o uso do fogo. O fogo, quando usado adequadamente, funciona como um instrumento técnico para aqueles produtores que não dispõem de mecanismos modernos, explica. Mesmo assim, o especialista assume que o assunto é preocupante e afirma que a confederação disponibiliza cursos de prevenção e combate ao fogo para funcionários de fazendas e pequenos produtores. Veronez defende ações mais fortes e a criação de políticas públicas que façam com que os agricultores substituam o uso do fogo por tecnologias mais modernas. Estados com agricultura mais desenvolvida não têm tantos problemas com queimadas. Os produtores passaram por um processo de incorporação tecnológica e não precisam fazer uso do fogo para limpar suas áreas para plantio, diz.

"A maioria dos focos se forma na beira das estradas, que não tem atenção do poder público. O capim seco contorna a beira das estradas e funciona como combustível para o fogo Assuero Doca Veronez, presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Confederação Nacional dos Agricultores

Palavra do especialista Fora de controle

A combinação de ar seco com ventos fortes cria um ambiente favorável às queimadas. Mas as altas taxas de incêndio são, em grande parte, causadas pelo mau manejo do fogo utilizado para limpar pastagens de proprietários rurais, principalmente pecuaristas. O manejo mal feito, combinado com a forte estiagem, resulta em queimadas descontroladas na região. Mesmo uma queimada planejada, feita com cuidado por um pequeno produtor, pode sair do controle, causando o alastramento do fogo para unidades de conservação ambiental e propriedades vizinhas.

Para combater as queimadas no Centro-Oeste é necessário melhorar a atuação dos governos estadual e federal na prevenção e controle dos focos de incêndio. As mudanças climáticas apontam para o agravamento de todas as situações consideradas extremas, incluindo os períodos de estiagem. Se hoje se tem uma dificuldade em prevenir os incêndios, essas dificuldades vão ser ainda maiores em alguns anos.