Título: Gol mantém mercado, apesar de acidente
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2006, Empresas &, p. B2
Tudo o que envolve o acidente com o vôo 1907 ainda provoca comoção e constrangimento na Gol. Mas, em termos operacionais e financeiros, o impacto da tragédia já foi digerido. A taxa de ocupação das aeronaves, que encerrou setembro em 76%, caiu para 60% na primeira semana de outubro, logo após a colisão do Boeing 737-800 com o Legacy da Embraer. Desde então, subiu de semana a semana e, até o dia 25, estava em 71% - mesmo índice da TAM e superior à média de 66% da Varig, que tem anunciado promoções agressivas para recuperar passageiros. Em outras palavras: a Gol não perdeu clientes.
A publicidade foi completamente interrompida, inclusive no exterior, onde a companhia suspendeu campanhas que focavam a abertura de rotas. Mas o planejamento operacional foi cumprido à risca. A Gol chegou a dois novos destinos - Imperatriz (MA) e Chapecó (SC) - e começou a operar nesta semana um vôo direto entre São Paulo e Santiago. Na segunda-feira, anunciou a compra de mais 20 aviões Boeing 737-800, expandindo o número de pedidos .
No mês que sucedeu o acidente, as ações preferenciais da Gol caíram 12%, mas analistas financeiros dizem em seus relatórios que a perda de valor não é condizente com as perspectivas da empresa e a maioria recomenda a compra de papéis. O que explica que a aérea tenha atravessado praticamente incólume um episódio tão dramático, apenas cinco anos após a sua criação?
"Há um consenso de que a Gol não teve culpa", afirma o consultor em aviação Paulo Sampaio, citando a percepção generalizada da opinião pública de que o acidente teria sido causado pelo Legacy - tanto pelo suposto descumprimento do plano de vôo quanto pelo não-funcionamento do transponder. Sampaio compilou os indicadores preliminares de outubro, a partir dos números das próprias companhias, e concluiu: "O acidente já teve seu impacto totalmente absorvido".
O contexto em que a Gol teve que enfrentar a sua ameaça de crise é bem diferente do cenário que atormentou a TAM exatos dez anos atrás: não houve desconfianças em relação à qualidade do equipamento envolvido na tragédia, que deu origem a uma onda de "Fokkerfobia" em 1996, nem se criou uma paranóia quanto aos telefones celulares.
O Boeing da Gol caiu no meio da Amazônia e, por isso, não permitiu à televisão veicular cenas chocantes como aquelas de Congonhas. Mesmo assim, na avaliação de especialistas, a reação da companhia e o plano de contingência adotado por ela servirão por muito tempo como referência às concorrentes. Eles apontam um erro inicial: os executivos da aérea demoraram quase 24 horas para dar a primeira entrevista coletiva - o que foi justificado mais tarde pela demora para confirmar informações a respeito de sobreviventes.
No entanto, os passos seguintes foram "exemplares e irretocáveis", sublinha Gianfranco Beting, editor do site Jetsite. Ele lembra que os planos de emergência para companhias aéreas têm origem em países de cultura anglo-saxônica e apregoam um tratamento relativamente impessoal e comedido dos seus executivos - a TAM, por exemplo, definiu a sua atuação, logo após a queda do Fokker, com base no trabalho da American Airlines.
Para Beting, a companhia humanizou a reação ao acidente e isso a ajuda, agora, na sua recuperação. Ele menciona dois episódios marcantes, que fogem do "script" tradicional de uma empresa aérea. Primeiro: o minuto de silêncio, às 17h do dia 5 de outubro, quando funcionários da Gol deram as mãos em homenagem às vítimas do vôo 1907 e paralisaram os 53 aeroportos onde ela opera. Segundo: o culto ecumênico realizado no Rio de Janeiro, em que o presidente Constantino de Oliveira Jr. abraçou parentes de um dos passageiros e pediu desculpas pelo ocorrido.
Na opinião de Beting, trata-se de fatos que transmitiram algum tipo de conforto aos familiares e humildade aos demais passageiros. "Fatos que mostram que a Gol foi tão vítima quanto os ocupantes do vôo 1907", diz. "Ela foi a 155ª vítima."
Ontem, durante a divulgação do balanço da Gol, Constantino disse que a empresa não precisará fazer provisões financeiras, já que os danos serão cobertos por seguro.