Título: Wal-Mart reforça Todo Dia para vender para classe C e D
Autor: Mandl, Carolina e Facchini, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2006, Empresas, p. B5

O Wal-Mart decidiu entrar mais agressivamente na disputa pelo consumidor de baixa renda no Brasil, seguindo uma estratégia já adotada pela gigante americana no México. A tarefa , porém, não será fácil. Há um bom tempo, o Pão de Açúcar e o Carrefour quebram a cabeça para satisfazer essa clientela e, acima de tudo, conseguir ganhar dinheiro com ela.

São consumidores com uma renda familiar de R$ 1 mil em média e que vão ao supermercado com R$ 20 no bolso, ou até menos. Mas nem por isso eles são menos exigentes. Pelo contrário.

Há cerca de quatro anos, o Pão de Açúcar precisou reformular completamente a bandeira Barateiro, uma das redes compradas pelo grupo nos anos 90 e que transformara-se na sua marca de lojas populares. Na época, Abilio Diniz, controlador grupo, chegou à conclusão de que quem gosta do formato "hard discount" adotado na Europa - de lojas despojadas, sem conforto e sem marcas líderes - é rico. As classes C, D e E gostam mesmo é de atendimento e de produtos confiáveis.

O nome Barateiro foi enterrado e os supermercados viraram Comprebem, uma marca que foi "importada" pelo Pão de Açúcar do Nordeste. A bandeira já existia em Pernambuco, mas a varejista mantém hoje apenas uma loja com esse nome no Estado, além das sete unidades na Paraíba. O grosso dos supermercados fica em São Paulo, onde o grupo possui 160 unidades. Como o modelo do Comprebem vem dando certo, as lojas da rede Sendas, no Rio, também foram convertidas neste formato.

O Carrefour lançou a bandeira de supermercados populares Dia% no Brasil em 2000. A varejista francesa fala pouco sobre sua atuação neste mercado mas, pelas informações contidas no seu site, o Dia % cresce a passos largos. Hoje, já são 238 lojas e todas elas só no Estado de São Paulo.

"O Wal-Mart quer e vai entrar pesado neste segmento", afirma Demétrio Magnani, diretor de operações do Todo Dia. Em 2007, do total de 28 lojas que a varejista abrirá no país, dez serão voltadas para esse público.

As 14 lojas do Wal-Mart existentes hoje em bairros pobres do Nordeste foram herdadas da aquisição do Bompreço, em 2004. Outras duas tinham sido abertas em São Paulo. Mas, neste ano, o Wal-Mart decidiu reposicioná-las com a intenção de replicar o modelo em larga escala.

A mudança começou pela criação de uma marca que pudesse ser usada no país inteiro: Todo Dia, que substitui o Balaio (marca pernambucana) e o Mini Bompreço (nome usado na Bahia).

Depois, a varejista recorreu ao México, à Guatemala e a Porto Rico - países onde já possui esse tipo de negócio - para pesquisar como as coisas poderiam ser feitas no Brasil. Pinçou uma estratégia de cada lugar e ainda adicionou muito do tempero brasileiro para chegar à receita final.

"É muito mais difícil vender para quem não tem dinheiro. E o maior erro que se pode cometer é se copiar uma estratégia que deu certo em outro lugar", diz Magnani. As barreiras começam pela diferença dos mercados. No México, a classe mais pobre do país tem mais dinheiro do que no Brasil. E na América Central, a concorrência não é tão forte.

A importação de idéias veio, por exemplo, da padaria usada na bandeira mexicana Bodega. Como o caro é se construir a área de panificação e contratar padeiros, a solução é adquirir os pães já congelados de um fornecedor terceirizado. Na loja, só se assam os filões. Por outro lado, em Pernambuco não poderia faltar um corte de carne de charque no açougue.

O grande atrativo desse tipo de negócio é o potencial de crescimento. "Muitas pessoas no Brasil ainda estão na condição do subconsumo de alimentação. Se a renda crescer, antes de qualquer outra coisa, elas vão comprar comida", explica o diretor do Wal-Mart.

Em algumas praças, como na Zona Leste de São Paulo, o Comprebem, o Dia% e o Todo Dia já se enfrentam. Mas essa concorrência deve ficar cada vez mais feroz daqui para frente. Na cidade de Valinhos, no interior de São Paulo, por exemplo, as lojas do Dia% e do Comprebem estão coladas uma no outra.

Em todos os mercados populares, porém, vende-se muito mas lucra-se pouco. Ao ser perguntado se acreditava ser possível ganhar dinheiro vendendo produtos para a população de baixa renda, Hugo Bethlem, diretor das bandeiras Comprebem e Sendas, foi categórico. "Ou isso é possível ou estamos perdidos", disse o executivo, lembrando que a classe C representa 80% dos consumidores na Grande São Paulo. No Rio, eles são 84%.

Sem dar detalhes, o Magnani, do Todo Dia responde: "O Wal-Mart não está no Brasil para perder dinheiro". Em busca do resultado positivo, a rede saiu pelas lojas buscando onde daria para cortar custos. Todos os telhados foram trocados por estruturas de acrílico, que permitem a entrada de luz. Durante o dia, as lâmpadas ficam apagadas. O estoque fica em cima das prateleiras, para economizar no custo do aluguel.

As lojas do Comprebem também são muito diferentes do Pão de Açúcar, bandeira voltada para as classes A e B. No Comprebem, os laticínios, os frios, a padaria e a área de hortifruti ficam próximas uma da outra. "As minhas consumidoras trabalham muito não têm tempo", diz Bethlem.

Essa distribuição, porém, também ajuda em outro aspecto: as prateleiras refrigeradas cumprem o papel de ar-condicionado, um luxo que não existe no Comprebem.

As varejistas, porém, não deixam de lado as aspirações e os desejos das consumidoras. Não é por acaso que a seção que está logo na entrada do Comprebem é a de cosméticos, enquanto, no Pão de Açúcar, é a de frutas. E, nas prateleiras do Comprebem, Bethlem não economiza nos produtos para o cabelo, uma obsessão das brasileiras. Há de tudo: tinturas, xampus e os mais variados cremes.