Título: Sob Dilma, prevalece diplomacia econômica
Autor: Leo,Sergio
Fonte: Valor Econômico, 02/01/2012, Política, p. A6

Sob influência da crise mundial e das incertezas nas economias desenvolvidas, a política externa brasileira, com a eleição da presidente Dilma Rousseff, reforçou seu componente econômico e, em 2012, deverá aprofundar as apostas no potencial dos mercados da América do Sul e da África. Dilma, que tornou as referências à crise mundial um item obrigatório de seus pronunciamentos em política externa, já anunciou sua opção preferencial pelos dois continentes. O que não divulgou é o apoio que tem do setor privado brasileiro, para fazer da integração de infraestrutura um componente essencial da diplomacia em 2012.

"O governo, claramente, está olhando de forma pragmática para a agenda política, e a infraestrutura vai assumir o papel de fio condutor dessa política", prevê o diretor do departamento de infraestrutura da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Carlos Cavalcanti. Como outros observadores da diplomacia brasileira, Cavalcanti constatou o reforço, com Dilma, do interesse pela União das Nações da América do Sul (Unasul), grupo político que reúne os países do continente. Os projetos de infraestrutura na região são vistos, no Palácio do Planalto, como a ferramenta para facilitar a integração dos sistemas produtivos e garantir a conexão elétrica entre os países, um objetivo defendido por Dilma.

A Fiesp, informa Cavalcanti, participa das reuniões da Cosiplan, o órgão da Unasul dedicado a coordenar as obras de infraestrutura consideradas prioritárias, segundo uma lista que escolheu 31 projetos prioritários. Entre eles, está o corredor ferroviário que atravessará o Brasil, Paraguai, Argentina e chegará ao Oceano Pacífico pelo Chile - considerado o principal projeto, pelos industriais paulistas.

No começo do ano, a Fiesp reunirá potenciais financiadores, entre órgãos de fomento e investidores privados, para concretizar as obras em curto prazo. "Estamos apostando nisso", garante o diretor da Fiesp.

No continente americano, as chances de avanço da diplomacia em matéria comercial são limitadas, e a prioridade de Dilma, segundo um ministro próximo à presidente, é defensiva: a tendência do Brasil, no futuro próximo, é buscar proteção à indústria nacional, e, se possível em combinação com os vizinhos. As autoridades brasileiras estão convencidas de que não há perspectiva de novidades na rodada de liberalização comercial da Organização Mundial de Comércio (OMC), e de que os mercados dinâmicos como o brasileiro estão ameaçados por uma invasão de importados que perderam clientes tradicionais. Essa preocupação foi repetida por Dilma, em cada discurso que fez em suas viagens internacionais e nas cerimônias diplomáticas em Brasília.

O governo, oficialmente, se mostra otimista em relação às relações comerciais com o principal parceiro no continente, a Argentina, que, sentindo a perda de receita com a queda de preços de suas commodities de exportação, tem enviado sinais de endurecimento no trato com produtos brasileiros.

Dois dos sinais mais fortes foram a confirmação, no posto, do polêmico secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que se encarregou das medidas informais de controle de preços e de importações nos últimos anos, e a nomeação de sua aliada, Beatriz Paglieri, interventora no escritório de estatísticas argentino, acusado de manipular índices de inflação. Foi Moreno, que a imprensa argentina diz ter recebido mais poderes no segundo mandato de Cristina Kirchner, quem administrou as retenções de produtos brasileiros em 2011, que causaram prejuízos de milhões a produtores de chocolates, alimentos e calçados.

Segundo uma autoridade da área econômica, o Brasil minimizou os atritos, para evitar transformá-los em tema na campanha eleitoral vizinha. O governo tentará, neste ano, porém, por meio de um acordo envolvendo empresários dos dois países, um compromisso com os argentinos para normalizar o fluxo de comércio, embora se reconheça em Brasília que, apesar dos problemas, a balança comercial é francamente superavitária em favor dos brasileiros, que devem ter um saldo superior a US$ 8 bilhões no comércio com a Argentina em 2011.

"O que é claro é que o Brasil é um grande negócio para a Argentina e a Argentina um grande negócio para o Brasil", comentou, para o Valor, o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, que recebeu de Dilma a tarefa de coordenar um estudo sobre a economia argentina - no modelo de um detalhado estudo sobre a China produzido neste ano pela embaixada comandada pelo embaixador Clodoaldo Hugueney, que a presidente quer transformar em modelo para futuras avaliações de sócios do país.

No início de janeiro, duas reuniões decidirão o futuro do relacionamento Brasil-Argentina; uma delas dedicada às questões pontuais de barreiras ao comércio entre os dois países; a outra se ocupará da integração produtiva, com projetos conjuntos em áreas como os setores automotivo e aeronáutico, defesa e energia.

Com a África, que é assunto frequente de conversas de Dilma, em telefonemas a chefes de Estado do continente, a presidente criará, em 2012, um grupo interministerial dedicado a traçar a política de governo para o continente, que inclui diretrizes para apoiar investimentos das empresa brasileiras do país. Dilma, que visitou três países da África subsaariana em 2011, já anunciou que quer voltar no próximo ano ao continente, em visita aos países do Norte.

Ao contrário do que se imaginava após a eleição, Dilma tem mostrado gosto pelos assuntos internacionais, embora os econômicos sejam seus preferidos. Na sua leitura matinal de jornais inclui sempre o britânico "Financial Times". A presidente encantou-se com os detalhes da formação do governo Obama, que leu numa biografia do colega americano. Leu também os livros sobre Bolívar presenteados pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Detesta, porém, "conversa de diplomata", segundo define um ministro próximo, querendo dizer, com isso, a linguagem cuidadosa e vaga que algumas vezes é encontrada em relatos do Itamaraty - ainda que a presidente faça questão de prestigiar o Ministério de Relações Exteriores.