Título: Milho e trigo puxam alta de commodities
Autor: Scaramuzzo, Mônica e Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2006, Agronegócios, p. B12
O chamado "complexo rações", formado por milho, trigo e farelo de soja, registrou expressiva valorização no mercado internacional em outubro passado e transformou-se no grande destaque entre as commodities agrícolas negociadas pelo Brasil no exterior no mês.
Interligados pela demanda da área de carnes, os preços dos três têm forte influência entre si. Tais reflexos muitas vezes catalisam tendências, e isso aconteceu em boa parte de outubro. Ontem (dia 31), por exemplo, a trinca fechou em queda, com realizações de lucros no mercado. De acordo com cálculo do Valor Data baseado na cotação média mensal de contratos futuros de segunda posição de entrega negociados nas bolsas de Nova York (açúcar, café, cacau, suco de laranja e algodão) e Chicago (soja, milho e trigo), o milho foi que mais subiu em relação a setembro.
O salto chegou a 23,09%, e o bushel do grão alcançou US$ 3,15, a maior média desde abril de 2004. Segundo Paulo Molinari, analista da Safras&Mercado, a disparada foi motivada sobretudo pelo atraso da colheita nos Estados Unidos, em razão do excesso de chuvas no Meio-Oeste desde o fim de setembro. Num momento em que o etanol ganha cada vez mais espaço como combustível - nos EUA e em outros países -, atrasos como esse passam a ter maior relevância no quadro de oferta e demanda e, assim, nas cotações.
Molinari ressalta que também para os preços no mercado brasileiro esta alta internacional tem reflexos, ainda que o Brasil não seja um exportador regular de milho. Os embarques deverão somar apenas 3,5 milhões de toneladas - de uma produção de 42 milhões de toneladas na safra 2005/06 -, mas as cotações estão em alta. Ele projeta que no início da colheita da safra 2006/07 a saca de 60 quilos deverá atingir até R$ 19 no porto de Paranaguá (PR), ante entre R$ 14,50 e R$ 15 neste ano.
Já o trigo, que subiu 21,18%, alcançou a cotação média de US$ 5,1377 em Chicago em outubro, o maior patamar em dez anos. A escalada decorre da menor oferta global, sobretudo em decorrência da quebra da safra australiana. "A Austrália acabou levando o mercado ao nervosismo", disse Vinícius Ito, da Fimat Futures. A colheita australiana deverá ficar em 9 milhões de toneladas em 2006/07, ante as 24 milhões do ciclo anterior. Assim, o Conselho Internacional de Grãos crê que a produção global ficará em 585,2 milhões de toneladas, queda de 5,3%.
Nesse cenário, ressalta Élcio Bento, da Safras&Mercado, os estoques mundiais reduzidos são a cereja da tendência altista. Os efeitos já são observados no mercado brasileiro, cuja produção caiu pela metade e ampliou as importações e onde pães, massas e outros produtos estão mais caros ao consumidor final. No país, apenas 4,5% da oferta disponível de trigo é usada em rações; no mundo, o percentual chega a 17%.
Já a alta do farelo, aliada ao atraso da colheita americana e aos laços com milho e trigo, levou o grão a subir 9,33% em outubro em Chicago, para US$ 6,0710, a maior média em 14 meses, segundo o Valor Data. Fabio Meneghin, da Agroconsult, notou outra interligação entre soja e trigo hoje nos EUA. Com o atraso na colheita de soja, muitos produtores estão perdendo o período ideal para plantar trigo de inverno, o que também ajuda a sustentar os preços do cereal.
Mais uma vez os efeitos externos já estão sendo sentidos no Brasil. No atacado, a soja subiu 6,9% em outubro e seu peso no IGP-M da FGV atingiu 4,16%, ante 1,5% no mesmo mês do ano passado. Neste caso, porém, é massiva a presença de fundos de investimentos em Chicago, e uma redução dessa participação tende a tirar parte do fôlego das cotações.
Os fundos também se destacam no mercado de algodão em Nova York. Não fosse por suas compras no fim de outubro, a cotação média do mês teria caído mais que 1,4%, já que a demanda física está fraca. "A falta de demanda continuará sendo um fundamento negativo, mas há expectativa de que os preços subam no médio prazo, se confirmada a menor área plantada nos EUA", afirmou Fernando Martins, da Fimat Futures.
A maior retração nova-iorquina, contudo, foi a do açúcar. Em outubro os contratos de segunda posição de entrega caíram mais 5,19%, para a média de 11,68 centavos de dólar por libra-peso, e no acumulado do ano a queda já chega a 16,39%.
Segundo Michael McDougall, da Fimat, o mercado internacional da commodity continuou com correções técnicas no mês passado, mas sua expectativa é que essas correções comecem de novo a produzir valorizações. "Mas as maiores vendas dos países produtores, aliada à queda dos preços do petróleo e à uma demanda mais frouxa, limitam as altas". Nas bolsas americanas, a febre do etanol se reflete com mais força no preço do milho do que no do açúcar, porque no país o combustível é produzido a partir do grão.
Outro que caiu foi o cacau. De acordo com Thomas Hartmann, da TH Consultoria, a oferta do maior produtor mundial, a Costa do Marfim, cresce ano após ano, mesmo com os inúmeros conflitos políticos no país africano, palco de turbulências envolvendo desta feita a sucessão presidencial. A baixa em outubro foi de 1,31%, para US$ 1.482 a tonelada.
O suco de laranja, em contrapartida, subiu 5,78%, para US$ 1,85 a libra-peso - maior patamar médio em 16 anos -, e não há recuos significativos à vista. Os problemas na oferta da Flórida sustentam o mercado e beneficiam o Brasil, que domina 80% das exportações globais.
O café, finalmente, subiu 1,38% - para US$ 1,0851 a libra-peso -, segundo Rodrigo Costa, da Fimat, em razão de movimentos técnicos. Ele afirmou que os fundamentos para o grão são baixistas no curto prazo, em parte porque as torrefadoras estão com atuação discreta no mercado. Outro problema para os preços é a entrada da colheita da América Central, da Colômbia e do México.