Título: Mercado teme retrocesso no câmbio
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2006, Finanças, p. C1

As novas regulamentações do pacote cambial não dissiparam inúmeras dúvidas e temores dos exportadores, que continuam pouco estimulados a deixar até 30% das receitas com exportações fora do país. Os participantes do mercado de câmbio já falam até em retrocesso com o pacote, baixado em agosto por meio da Medida Provisória 315 e regulamentado por circulares, resoluções do Conselho Monetário Nacional e portarias. "O que em um primeiro momento foi visto como um benefício se tornou hoje uma preocupação", diz Sidney Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora de Câmbio.

Segundo ele, o governo está renunciando ao Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior), que fazia controles e vinculações automaticamente, sem burocracia, em troca de um esquema "muito mais arcaico", que vai implicar mais trabalho para todos e a "perda de eficácia nos controles". Agora, os bancos vão ter de reunir todas as informações sobre as operações de liquidação de câmbio para exportação em um determinado mês, repassando as informações consolidadas ao Banco Central, que por sua vez fará a transferência para a Receita, que vai cruzar os dados com as declarações anuais das empresas. "É um passo atrás", diz. "O governo corre o risco de desorganizar algo bem organizado, abrindo mais espaço para fraudes."

Segundo o Valor apurou, bancos estão estudando até cobrar tarifa pelas informações que terão de prestar ao BC. Há também bancos que estão exigindo dos exportadores que estudam manter parte de suas receitas no exterior autorização explícita por escrito para entregar os dados de sua conta bancária e de sua movimentação com câmbio para exportação à Receita Federal, temendo ações de indenização contra a quebra do sigilo bancário. Na prática, a Receita passa a ter acesso automático a dados das contas bancárias dos exportadores no exterior e no país.

"Os exportadores estão com medo dos controles da Receita e não estão dispostos a abrir seu sigilo bancário", diz Miriam Tavares, da AGK Corretora de Câmbio. Na prática, o pacote cambial acabou trazendo à tona um antigo debate sobre os poderes da Receita para quebrar o sigilo bancário dos contribuintes.

Hoje, por força das leis complementares 104 e 105, e do decreto 3724, de 2001, a Receita pode quebrar o sigilo bancário de suspeitos de sonegação sem autorização judicial, mas em casos específicos e desde que solicitado por um auditor. As empresas já não ficaram nada felizes com isso e a Confederação Nacional da Indústria questiona a constitucionalidade dessas regras. O pacote cambial vai além, pois a Receita passa a ter automaticamente informações sobre movimentações nas contas dos exportadores que quiserem deixar até 30% de suas receitas no exterior.

Segundo Nehme, agora "caiu a ficha" e os exportadores estão com um "certo arrependimento, preocupados com uma abertura excessiva para a Receita". Segundo ele, antes o câmbio ficava sob o controle de um "especialista", o Banco Central, que conhecia o assunto e tinha bom-senso. Agora, teme-se um excesso de multas. Ele lembra que o senador Jorge Borhausen (PFL-SC) tem uma emenda à MP 315 que determina a volta dos controles ao BC.

Advogado que preferiu não se identificar diz que as empresas ainda têm muitas dúvidas, como por exemplo a forma de tributação de investimentos no exterior ou se os 30% têm de ser calculados sobre as receitas mensais, anuais ou sobre cada exportação.

Miriam Tavares lembra que os exportadores não têm pressa e preferem esperar mais detalhes do pacote pois não se sentem estimulados a deixar recursos no exterior por conta dos juros em reais mais elevados. "Estamos nos aproximando do final do ano e as empresas precisam de mais caixa em reais para fechar as contas e pagar o décimo terceiro salário", diz. Ela não vê a necessidade de mais regulamentação.

O diretor do Bradesco José Guilherme Lembi de Faria concorda. Segundo ele, são os ganhos elevados com o caixa em reais o principal desestímulo para os exportadores deixarem o seu caixa fora do país. Mesmo os exportadores que têm grande volume de importações não se vêem estimulados a compensar um com o outro, apesar de não terem de pagar CPMF, pois quase nunca há um casamento exato de prazos e a diferença de juros de poucos meses compensa os ganhos fiscais.