Título: Medo de água fria
Autor: Angelo Pavini e Felipe Frisch
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2004, Eu & Investimentos, p. D1

Escaldados ou não pelo caso do Banco Santos, grandes investidores e fundos de pensão agora têm medo de água fria e estão concentrando seus recursos em grandes bancos ou títulos do governo, dizem executivos de grandes bancos. É a doce vingança dos gestores que, até algumas semanas atrás, eram obrigados a engolir ordens de compra de papéis que não lhes agradavam ou elogios maldosos sobre concorrentes que tinham melhor rentabilidade desprezando o risco. "Acabou aquela pressão imbecil da clientela para comprar papel X ou Y porque fulano tinha feito uma análise melhor de risco e dizia que era bom", diz um gestor de recursos de um grande banco, que pediu para não ser identificado. O movimento ocorre principalmente nos fundos onde a gestão é determinada pelo próprio investidor, a chamada gestão não discricionária. Nesse caso, o banco apenas executa as ordens do investidor. Já nos bancos que fazem a gestão discricionária, ou seja, decidem para onde vai o dinheiro, o investidor que costumava pressionar pela compra do papel agora manda vender. Mas o movimento de total aversão ao risco não deixa de também ter seu lado irracional. Exageradamente seletivo, o mercado coloca todos os gatos no mesmo saco, sem perceber que pode estar perdendo em rentabilidade ao deixar de aplicar em instituições ou empresas que, apesar de pequenas, são sólidas. "Tem cliente transferindo tudo e nessas horas o gestor precisa ter cabeça fria para usar a experiência e acalmar o aplicador, evitando que ele faça um mau negócio", diz Carlos Otero, diretor da Bradesco Asset Management. Parte desse movimento pendular do investidor brasileiro é a falta de uma cultura de convivência com o risco, dizem os especialistas. Nos Estados Unidos, são comuns os fundos que aplicam em papéis de empresas menores ou de maior risco e onde invariavelmente há perdas e até quebras. A diferença é que essas perdas estão incluídas na taxa de juros dos papéis, o que evita um prejuízo para os investidores. A crise no Banco Santos não é boa para o mercado de investimentos e para os fundos, diz o diretor de um banco privado, que também não quis se identificar. A instituição, lembra ele, tinha um marketing bom e muita gente que não era de mercado se surpreendeu com a intervenção. O caso mais grave é dos aplicadores em CDBs, que terão agora de aguardar para ver se o banco conseguirá se reerguer. Se não, a instituição será liquidada e o cliente terá de aguardar para receber na fila dos credores - que estabelece prioridade para os funcionários, governo, credores com garantia e, por último, os credores sem garantia - onde se enquadram os investidores em CDBs. No caso dos fundos de investimento, a perda pode ser menor, pois o patrimônio das carteiras não se mistura com os ativos do banco. Ou seja, a perda vai depender de onde o fundo aplicava. "Agora precisa ver como estavam as carteiras dos fundos, alguns dizem que um fundo ultrapassava limites legais usando contraparte do grupo, como operações de box", diz o executivo. Teoricamente, o fundo não poderia perder mais de 20% que é o limite de aplicações em um único emissor. Um diretor de uma asset lembra que os investidores que compram CDBs de bancos pequenos são diferentes. Eles aplicam em todos os chamados bancos de segunda linha e aceita risco maior. Mas quando há um problema qualquer com um deles, o investidor sai de todos. Principalmente quando nota que as agências de rating não foram suficientes para detectar o problema da instituição. A expectativa desse diretor é de que, se não houver bancos com problema estrutural, ou seja, créditos mal-concedidos, a situação deve se normalizar nas próximas semanas. Esse movimento deve ser acelerado pela ajuda do Banco Central (BC), de reduzir o compulsório sobre depósitos a prazo dos bancos menores na sexta-feira passada. Nesse meio-tempo, surgem as oportunidades para compra de papéis com taxas mais altas. Antes da crise, os CDBs de bancos de primeira linha - grandes nacionais e estrangeiros - pagavam no máximo 100% do CDI. Bancos menores, mais agressivos, mas com grupos fortes por trás pagavam 102% ou 103% do CDI. Já os menores, pagavam entre 107% e 110% do CDI. O investidor brasileiro tem de ter consciência do risco na hora de aplicar, afirma Márcia Dessen, da BankRisk. "Para ganhar mais, o investidor terá de correr mais risco, inclusive de crédito, que é sempre o maior em uma operação no mercado de juros", diz ela. Se a opção for pelo menor risco possível, a alternativa são os títulos do governo, onde o pequeno aplicador tem a alternativa de comprar pela internet, via Tesouro Direto. "Mas o importante é que as pessoas tenham consciência do que está fazendo e quais fatores ela considerou na hora de fazer a operação." O diretor executivo da Unibanco Asset Management, Paulo Vaz, acha que não é momento para desespero. "Cada banco tem uma situação de crédito, ainda que as fundações estejam resgatando papéis dos demais bancos médios e pequenos." Para ele, o Banco Central já deu um grande alívio para o mercado ao reduzir o compulsório dos bancos pequenos e médios. Para o executivo, o resgate sem critério é a ultima alternativa. "Não cabe uma atitude precipitada", diz. Por isso, ele manteve em suas carteiras abertas os poucos papéis de instituições menores - o Santos não era uma delas, diz. Menos de 5% das carteiras de renda fixa da UAM estaria em CDBs e papéis de crédito de bancos de pequeno e médio portes.