Título: Um deficit histórico
Autor: Cristino, Vânia; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 22/09/2010, Economia, p. 13

BC aumenta projeção de rombo nas transações correntes em 2011 para US$ 60 bilhões

Não dá mais para disfarçar. A cada dia, fica mais visível a piora das contas externas do país. Com governo, empresas e população gastando sem parar, não restou ao Banco Central (BC) outra alternativa a não ser rever, para o ano, vários itens do balanço de pagamentos uma conta que detalha todas as transações com o exterior. Na projeção para o ano que vem, o BC elevou de US$ 49 bilhões para US$ 60 bilhões o deficit esperado para transações correntes, parte importante do balanço geral e que abrange o resultado do comércio internacional, a conta serviços e o dinheiro que os brasileiros remetem de fora para o país. Será o pior resultado da série histórica iniciada em 1947.

Contribui para o aumento de US$ 11 bilhões no deficit um saldo de apenas US$ 11 bilhões para a balança comercial para 2010, o BC elevou a previsão de US$ 13 bilhões para US$ 15 bilhões além de um aumento considerável nas despesas com serviços, que, no ano que vem, chegarão a US$ 75 bilhões. O chefe do Departamento Econômico do Banco Central (Depec), Altamir Lopes, classificou a deterioração das transações correntes como o preço do sucesso. Como o país está bem, os gastos aumentam.

Com emprego garantido e renda no fim do mês, os brasileiros estão viajando como nunca ao exterior. O mesmo não acontece no sentido inverso. Vindos de países que ainda não conseguiram sair da crise, os estrangeiros estão gastando bem menos no Brasil. As despesas com serviços crescem em períodos de prosperidade porque as empresas brasileiras precisam de mais equipamentos para produzir e é intenso o fluxo de comércio, o que obriga o país a fretar navios.

Investimento direto É a crise ainda forte lá fora que também jogou para baixo a expectativa de investimento direto para o ano. Até o mês passado, o BC esperava um ingresso de US$ 38 bilhões. Na nova projeção para 2010, o investimento estrangeiro direito caiu para US$ 30 bilhões. O crescimento mundial está inferior ao que imaginávamos, admitiu Lopes. Para 2011, no entanto, o BC estima ingressos de recursos nessa conta da ordem de US$ 45 bilhões.

A necessidade de dinheiro externo para financiar o balanço de pagamentos está aumentando. Para o BC, no entanto, o crescimento é gradual e não explosivo. Mas existe uma diferença que o BC vem tentando amenizar. Até o ano passado, todo o deficit em transações correntes era coberto, com folga, com o ingresso de recursos para investimento direto. Este ano e no próximo, isso não acontecerá. O dinheiro que falta para fechar a conta virá de aplicações em títulos e ações no país, que podem sair a qualquer momento.

Segundo os números divulgados ontem pelo BC, o resultado em transações correntes foi negativo em US$ 2,86 bilhões no mês passado. É o maior valor para meses de agosto de toda a série. Para setembro, o BC estima um deficit de US$ 3,8 bilhões. No ano, o buraco já alcança US$ 31,122 bilhões, chegando, em 12 meses, a US$ 45,8 bilhões, o equivalente a 2,32% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas geradas no país). É a pior relação com o PIB desde 2002.

E eu com isso

A deterioração das contas externas, com aumento da dependência do país de recursos do exterior, pode, a médio prazo, afetar a vida das pessoas comuns. O dólar, hoje em baixa, pode subir e o fluxo de capitais para o Brasil, cair. Para isso acontecer, basta o investidor estrangeiro desconfiar de que o Brasil terá dificuldade para honrar seus compromissos. Daí as agências de classificação de risco começarem a elevar o prêmio país é um pulo. Uma crise no financiamento do balanço resultaria em menos investimentos aqui dentro e, em consequência, em menos emprego e renda.

Obrigação de viajar

O exterior seduziu o turista brasileiro e tem atraído também as empresas e até o governo. A falta de estrutura no país obriga o setor produtivo a contratar navios de outras bandeiras e a alugar equipamentos fora do Brasil. Tamanha gastança forçou o Banco Central a rever suas projeções para a conta de serviços e a expectativa, para 2010, é de um rombo de US$ 67,5 bilhões. No ano que vem, a autoridade monetária acredita que o prejuízo será ainda maior, devendo alcançar US$ 75 bilhões.

Viajando constantemente para fora, o brasileiro aumenta as despesas do país. Em agosto, os turistas gastaram US$ 1,302 bilhão no exterior, enquanto os estrangeiros deixaram US$ 489 milhões aqui. O resultado é um deficit de US$ 813 milhões em agosto e de US$ 6,021 bilhões em oito meses um recorde para a série histórica. O BC prevê, para o ano, um prejuízo de US$ 10 bilhões nessa conta. Para 2011, a diferença será ainda maior: US$ 11,5 bilhões.

Para o professor de economia da ESPM José Eduardo Balianz, a falta de preparação do país para receber turistas estrangeiros faz com que o Brasil não aproveite seu potencial. Nós não exploramos o turismo, mas o turista, criticou. O dólar barato é um componente a mais nessas viagens. A questão é que praticamente somos obrigados a ir para o exterior. Fica em conta e você ainda é bem recebido.

O engenheiro de redes Gustavo Dias, 26 anos, é um dos muitos consumidores que aproveitam o momento favorável para o turismo internacional. A despeito da pouca idade, Dias já saiu do país sete vezes. Os maiores gastos nessas viagens são com transporte, alimentação e hospedagem, disse. O segredo para fazer passeios mais baratos e aliviar o orçamento para os presentes, segundo ele, é pesquisar e reservar passagens e hotel com antecedência. Dá para conseguir bons descontos.

Além do turismo, chamam a atenção os gastos crescentes com transporte. Apenas em agosto, US$ 1 bilhão foram desembolsados com fretamento de navios. Não temos frota suficiente para atender nosso comércio com os outros países, explicou Balianz. (VC e VM)

Fluxo positivo A oferta de ações da Petrobras contribuiu para aumentar a chegada de moeda estrangeira no país. Até 17 de setembro, o Banco Central registrou ingresso líquido de US$ 11,135 bilhões. É o maior volume de recursos desde outubro de 2009, quando o fluxo cambial também foi altamente positivo por causa da entrada do Santander na Bolsa de Valores. O segmento financeiro, pelo qual entra o dinheiro destinado a aplicações em papéis e ações, foi responsável pelo fluxo positivo acumulado em setembro. O BC registrou, no período, entrada de US$ 11,841 bilhões. No mesmo período, o resultado da balança comercial foi negativo em US$ 706 milhões.