Título: Com meta suavizada, Telefônica diminui quantidade de orelhões
Autor: Moreira, Talita
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2006, Empresas, p. B1
Na parede do salão vazio, um cartaz amarelo avisa: "Aqui tem telefone público". Não mais. O letreiro é o único resquício do orelhão que antes ficava ali.
O aparelho foi retirado há duas semanas. "Vieram aqui e levaram embora por ordem da Telefônica", conta Alcides Pereira Filho, presidente da Associação Comunitária Prestes Maia, em Cidade Tiradentes, bairro da periferia de São Paulo. Os dois orelhões instalados na associação de moradores - no salão de festas e no escritório - foram removidos por prestadores de serviço da operadora.
Tem sido assim também em outros lugares. A Telefônica, concessionária de telefonia fixa do Estado de São Paulo, está cortando cerca de 90 mil orelhões de sua área de atuação, segundo fontes ligadas à empresa. O número corresponde a mais de 25% da base de 331,2 mil telefones públicos em serviço, conforme dado que consta do balanço da operadora.
A redução na quantidade de orelhões decorre de uma mudança nas regras do setor. O decreto 4.769, assinado em 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estabeleceu que as concessionárias de telefonia fixa deveriam manter uma densidade de seis telefones públicos para cada mil habitantes a partir da renovação dos contratos de concessão, feita no início deste ano. A versão anterior dos contratos previa uma relação de oito por mil no fim de 2005.
Por meio de uma nota enviada ao Valor, a Telefônica diz que ainda avalia o número de orelhões que serão eliminados. "A empresa está realizando estudos para definir os aparelhos de baixíssimo ou nenhum uso de modo a se adequar à quantidade prevista no novo contrato de concessão vigente desde janeiro de 2006", destaca.
A medida, no entanto, é impopular. "Está fazendo uma falta danada. Muito morador que não tem linha em casa vinha aqui para usar", diz Pereira, da associação de Cidade Tiradentes. Segundo ele, a entidade não tem recursos para assinar um telefone fixo.
A maioria dos aparelhos já removidos ficava em estabelecimentos comerciais, como bares e postos de gasolina. Estações do metrô paulistano, como a de Vila Mariana, também não foram poupadas.
Mas também há casos de telefones externos retirados, como o que ficava em frente à Central de Carnes Potássio, no bairro paulistano do Cambuci. "As pessoas compravam cartão aqui e usavam o telefone ali fora", afirma o dono do açougue, Vinicius dos Santos, acrescentando que a empresa retirou outros aparelhos da mesma rua.
O Valor percorreu nos últimos dias vários locais de onde já foram removidos telefones públicos e constatou que boa parte da remoção acontece em áreas de baixa renda - justamente aquelas onde, em tese, a população mais que precisa do serviço.
"Muita gente que não tem telefone em casa costumava ligar daqui. Na rua, é difícil achar algum que funcione", observa Jair Ferraz, dono do depósito Padre Bento, uma vendinha de bebidas em Itu.
Do outro lado da cidade, Daniel Xavier, balconista da lanchonete Top-Top, conta que o orelhão que ficava no local era muito usado pelas pessoas que esperavam ônibus no ponto ali perto.
A Telefônica diz que o uso de orelhões caiu significativamente, uma vez que cresceu o número de pessoas com acesso a telefones fixos e móveis após a privatização, em 1998. No fim de junho, havia 12,3 milhões de linhas fixas em serviço no Estado, de acordo com a empresa. Havia também 22,5 milhões de celulares - 54,95 para cem habitantes (dados da Anatel).
"Mas o orelhão ainda é o serviço mais procurado. As tarifas de celular são uma barreira", observa o consultor e ex-ministro das Comunicações Juarez Quadros. Para ele, a meta de telefones públicos não deveria ser reduzida, mas congelada, uma vez que a população continua crescendo.
Por meio de uma nota, a Anatel diz que até agora não recebeu um volume relevante de reclamações pelo desligamento de terminais públicos em São Paulo. A agência também destaca que a mudança no plano de metas de universalização permite à Telefônica fazer um corte significativo na base de orelhões, mas o comunicado não fala em números absolutos.
Os telefones públicos, uma obrigação da concessão, nem sempre são uma atividade atraente para as operadoras. Boa parte tem pouca utilização e muitos servem mais para receber do que para fazer chamadas. Além disso, a rentabilidade tem diminuído à medida que as pessoas ligam mais para celulares - o que obriga a concessionária a pagar as tarifas de interconexão fixo-móvel, as mais caras que existem.
Segundo fonte do setor, a Telefônica lucra cerca de R$ 30 milhões (antes de impostos) por trimestre com os orelhões. De abril a julho, o lucro líquido da operadora foi de R$ 694,1 milhões.
Muitos comerciantes têm um motivo adicional para lamentar a remoção dos aparelhos: eles ajudavam a atrair fregueses. "Deu dó quando tiraram. Ficava tão bonitinho aqui", afirma a proprietária do bar Fênix, em Sorocaba, que se identificou apenas como Bia.