Título: Uma jogada cerebral
Autor: Khodr, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 21/09/2010, Brasil, p. 10

Pesquisa mostra que 5% da população de idosos podem ter algum tipo de demência e faz alerta: índice poderia ser reduzido com acesso a escola e melhor renda. A prevenção, em qualquer idade, deve ser feita com malhação física e mental e interação social

A perda progressiva da atividade cerebral em idosos é usualmente relacionada ao curso natural da humanidade. Mas uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) constatou que baixa renda, analfabetismo e isolamento contribuem para o agravamento dessa situação, muitas vezes causando demência.

O estudo identificou a doença em 5,1% da população avaliada e concluiu que esse índice poderia ser reduzido à metade se, ao longo da vida, os que hoje são afetados tivessem acesso à escola e uma fonte de renda mais substancial. Se 5% parece um índice pequeno, basta associá-lo à mais recente Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad) a respeito da quantidade de idosos no país seriam 754 mil brasileiros acima de 60 anos com algum tipo de demência.

Coordenadora do estudo realizado pelo departamento de psiquiatria da USP, Marcia Scazufca explica que, ao longo dos anos, de acordo com o desenvolvimento do aprendizado, o cérebro constrói uma espécie de reserva cognitiva de percepção, memória, juízo e raciocínio. Conforme as pessoas envelhecem, essa reserva atua na prevenção das perdas cerebrais. Ou seja, quanto maior a escolaridade, menores as chances de o idoso desenvolver a demência. No país a média de anos de estudo na população com mais de 60 anos de idade é de apenas 3,8.

A partir da aplicação de questionários e avaliação de 2.072 moradores da cidade de São Paulo, a pesquisa fez associação entre indicadores de desvantagem socioeconômica ao longo da vida dessas pessoas e o desenvolvimento da demência. Traçamos como foi a vida do idoso, desde o local de nascimento, o tempo de estudo, o tipo de emprego até a renda no momento da entrevista, explica a pesquisadora. Mais da metade do grupo avaliado nasceu em zona rural e 90% tinham menos de 3 anos de estudo, sendo que 38% deles eram analfabetos. De acordo com os pesquisadores, esses fatores fizeram com que metade deles tivesse ocupações braçais e levou um terço da população estudada a ter renda mensal inferior a um salário mínimo.

Um problema. Isso porque idosos com baixa escolaridade ou analfabetos e quem tem renda mensal menor do que um salário mínimo têm sete vezes mais chance de desenvolver demência do que aqueles com mais estudo e melhor renda.

Complexas Dois anos após a avaliação inicial, o mesmo grupo de idosos foi novamente entrevistado e os pesquisadores avaliaram se a participação deles em atividades físicas (caminhadas), cognitivas (leitura, uso de computador, crochê, marcenaria, palavras cruzadas) sociais (visita a amigos) e cotidianas (ir ao supermercado ou cuidar de animal de estimação) estavam associadas com o desempenho cognitivo e o surgimento de novos casos de demência. Aqueles que praticavam mais atividades tiveram melhores resultados na avaliação de memória e raciocínio, e também apresentaram menor risco de desenvolver a doença, conta Scazufca. No entanto, não foi associada nenhuma melhora cognitiva ou diminuição ao risco de demência quando as atividades se restringiam a ver televisão ou ouvir rádio, completa a especialista.

No dia a dia Quem canta, os dramas espanta

No Distrito Federal, há algumas opções de atividades para aqueles que têm mais de 60 anos de idade, como o Coral da Paróquia São Paulo Apóstolo, organizado pelo maestro Sérgio Kolodziey. A música coloca os neurônios em funcionamento, trabalha o raciocínio e o reflexo dos alunos, e também funciona como uma terapia para essas pessoas, explica.

Maria Terezinha, por exemplo, já tem 72 anos, mas carrega energia de sobra para cumprir uma agenda cheia de atividades. Natural de Patos de Minas (MG), Terezinha chegou em Brasília em 1978, depois de passar infância e juventude em Coromandel, interior de Minas Gerais, ajudando o pai a cuidar de uma fazenda. Eu estudava na roça, uma moça que me ensinou a ler e escrever, mas nunca fui à escola, conta.

Hoje ela mora no Guará I com a irmã, Graça, 62 anos, e uma sobrinha. Além das atividades cotidianas, ela faz caminhada e participa de grupos de dança do Centro de Convivência do Idoso da região. Também leio sempre o jornal e faço as palavras cruzadas, diz.

Outra aluna do maestro Kolodziey, Augusta da Costa, 74 anos, moradora do Recanto das Emas, nasceu em Marcelino Vieira (RN), onde foi alfabetizada por uma amiga e não frequentou a escola. Ela conta que foram as aulas de canto que a salvaram da dor causada pela perda do marido. Quando fiquei viúva entrei em depressão, não queria fazer mais nada e envelheci muito. Depois de frequentar as aulas do maestro recuperei a vontade de viver. De acordo com o maestro, a cantoterapia pode contribuir em até 40% da cura de todas as doenças. O restante fica por conta do tratamento médico e da disciplina do paciente, diz. (CK)

No ritmo de uma nova vida

Outra opção de atividade mais movimentada é a aula de sapateado oferecida pela especialista em fisiologia do exercício aplicado à dança, Samatha Lemes. A dança trabalha a musculatura, estimula a coordenação motora, a flexibilidade, a postura e a consciência corporal, explica. Além de ser um exercício divertido, que proporciona a interação social entre as alunas, completa. De acordo com a professora de dança, durante a aula são explorados os movimentos naturais dos alunos e é estimulada a criatividade.

Foi essa a atividade que Einalda Siqueira, 62 anos, escolheu. A professora aposentada nasceu em Marília (SP), onde estudou e concluiu o curso superior de educação física. Dançar sapateado é tudo de bom. Faço questão de vir às aulas porque sei que a atividade física é importante para corpo e mente, destaca. Moradora de Águas Claras, Einalda, além das aulas de dança, estuda piano e faz curso de pintura. Casada e mãe de três filhos, conta que também tem que cumprir as funções domésticas. Hoje eu também sou empregada do meu marido, brinca. As aulas exclusivas para alunos mais velhos acontecem às quartas-feiras no estúdio Sá Pateia, em Águas Claras. (CK)

Palavra de especialista Na ponta dos pés

O sapateado é realizado por meio de passos executados sobre uma superfície de madeira, com variação de ritmo e movimentos, de forma intermitente e com alto impacto. As aulas e as coreografias de sapateado exigem a movimentação de grandes grupos musculares, permitindo a possibilidade de provocar adaptações cardiovasculares, respiratórias, metabólicas e hemodinâmicas.

Em estudo realizado com o apoio do CNPq constatou-se que 27 minutos de sapateado intermediário apresentam respostas fisiológicas agudas importantes, tais como gasto calórico e fortalecimento cardiovascular. A contribuição percentual das fontes energéticas do metabolismo dos carboidratos (CHO) e gorduras (FAT), durante o sapateado, pode ocorrer em torno dos 60,8% para os carboidratos e 39,2% para as gorduras.

Além de dados fisiológicos, o sapateado proporciona aumento na capacidade coordenativa e sensitiva motora, melhora o equilíbrio, a estabilização da musculatura do tronco e do dorso, aumenta o tônus muscular, principalmente de membros inferiores, melhora a capacidade de concentração e fortalece as articulações.

A qualidade de vida do ser humano reflete-se em um conjunto de situações, onde seu relacionamento sociocultural e ambiental caracteriza-se como condições básicas para sua vivência, ou seja, quanto mais o indivíduo procurar vivências prazerosas, mais isso se refletirá em sua vida de forma positiva, diminuindo os riscos de doenças e aumento seu prazer pela vida.