Título: Índia busca redução da pobreza com austeridade fiscal, diz premiê Singh
Autor: Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2006, Internacional, p. A10
Com crescimento médio de 8% nos últimos três anos, a Índia tem chamado a atenção de todo o mundo. Mas não há análise sobre o país que não faça menção a um problema que é também muito conhecido dos brasileiros: o déficit fiscal. Na Índia, o déficit somado da União e dos estados chegou a 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado. A dívida pública alcançou espantosos 84% do PIB, segundo a agência de classificação de risco Fitch Ratings.
Num país altamente carente de infra-estrutura e com forte demanda social (cerca de 25% da população sobrevive com menos de US$ 1 por dia) uma dívida deste tamanho tiraria o sono de qualquer governante. Mas o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, acredita que certas coisas tomam tempo. E não vê conflito entre redução do déficit fiscal e da pobreza.
"Nossa arrecadação tem crescido 20%. Se nossa economia continuar a crescer 8% a 9%, sem sacrificar a responsabilidade fiscal teremos mais recursos para apoiar programas de educação, saúde e desenvolvimento rural. Não creio que haja contradições entre manter a responsabilidade fiscal e ter compromisso com a construção de uma sociedade inclusiva", disse Singh ontem em entrevista a jornalistas brasileiros, da qual o Valor participou. Segundo ele, isso não significa que não haja espaço para reorientação do sistema tributário e dos gastos, de forma a dar prioridade às classes menos favorecidas.
Embora não faltem críticas ao aumento dos gastos públicos, a política de Singh vem conseguindo reduzir o déficit fiscal, ainda que lentamente. No ano fiscal de 2001/2002, o déficit era de 10,1% do PIB. Caiu a 7,7% no ano passado e, segundo a Fitch, deve baixar para 6,5% este ano.
As indicações também são de que a tendência de forte expansão da economia continuará. De abril a junho (primeiro trimestre do ano fiscal 2006/07), o lucro depois dos impostos das empresas indianas cresceu 39%, segundo a Confederação Indiana da Indústria (CII), indicando que o PIB deve ter expansão de 8% de novo este ano.
Para Singh, outro fator que contribuirá para manter o crescimento econômico é o perfil demográfico da população indiana, muito jovem. "Isso nos ajudará a ampliar as taxas de investimento e de poupança. E a lição de outros países em desenvolvimento é a de que isso deve ser feito de uma maneira sustentável", disse o premiê, usando turbante azul, característico de seu grupo religioso, os sikhs. Ele é o primeiro não-hindu no cargo.
Manmohan Singh, que fará sua primeira visita ao Brasil entre os dias 11 e 13, para a Cúpula Índia-Brasil-África do Sul, fala pausadamente e tem um tom sereno. Nascido na região do Punjab, hoje pertencente ao Paquistão, o premiê formou-se no Reino Unido e é o artífice de um profundo processo de mudanças na Índia a partir de 1991. Na década de 90, como ministro das Finanças, pôs em prática uma série de reformas: o abandono do planejamento central do Estado, a adoção da conversibilidade (embora não plena) da rupia, a abertura econômica e a atração em grande escala de multinacionais.
Agora, como premiê, Singh tem tido um papel importante na aproximação dos países emergentes. Ao lado do Brasil, ele liderou o G-20 e as negociações comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC) na Rodada Doha e também pressionou para que o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) fosse reformado. Embora essas duas iniciativas tenham fracassado até o momento, Singh acredita que os países em desenvolvimento têm um papel importante no processo de reconstrução de um sistema global político e econômico mais eqüitativo e devem trabalhar juntos para alcançar esse objetivo.
"O mundo precisa repensar o equilíbrio de poder global. A globalização é hoje uma realidade. Mas o desafio é fazer esse processo de forma inclusiva e eqüitativa, o que requer a reforma das estruturas globais políticas e econômicas", explicou o premiê. Para ele, o mundo mudou muito desde que estruturas como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial foram criados, em 1945.
A inclusão social, segundo Singh, é o maior desafio de seu governo. E o problema está principalmente no setor rural, com forte predominância de pequenas propriedades e onde vive 60% da população indiana. A necessidade de defender seu setor agrícola (que vem registrando baixas taxas de crescimento) fez a Índia adotar uma postura mais protecionista nas negociações comerciais multilaterais. O Brasil, com um quadro agrário muito diferente, baseado em grandes fazendas e melhor produtividade, queria mais abertura. Mas ficou ao lado do parceiro nas negociações. A fidelidade rendeu rasgados elogios de Singh: "A diplomacia brasileira é a mais profissional do mundo", afirmou na entrevista, realizada na noite de ontem em Nova Déli, na Índia.
O premiê disse que tem vários amigos brasileiros e que foi muito influenciado pelo trabalho de alguns economistas brasileiros no entendimento do processo de subdesenvolvimento. Um deles? Celso Furtado. Também não faltaram elogios ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que visitou a Índia em janeiro de 2004. Para ele, sob a presidência de Lula, o Brasil vai realizar todo o seu potencial de desenvolvimento. Pelo jeito, parece que Singh já dá como certa a reeleição do presidente.
A repórter viajou a convite do Ministério de Relações Exteriores da Índia