Título: Encontro discutirá acordo de preferências
Autor: Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2006, Brasil, p. A4
Vários assuntos complexos poderiam dominar a conversa entre um grupo de visitantes do Ministério das Relações Exteriores da Índia: o acordo nuclear com os Estados Unidos ou as difíceis negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas é impossível não deixar de prestar atenção em uma macaca da espécie Langoor, com seu filhote, bem ali, no corredor. Como ela, há outras duas ou três espalhadas pelo prédio do ministério.
"É um método de controle biológico", apressa-se em explicar um funcionário do ministério, pedindo para que os visitantes não cheguem muito perto. A colocação dos Langoor nos corredores foi a forma encontrada pelo ministério para afastar os macacos que invadem o prédio e fazem bagunça nos escritórios, atirando papéis e pulando de mesa em mesa. "Os Langoor afastam os macacos da espécie que costumam invadir o prédio", diz o funcionário. E basta dar uma olhada na grande praça interna do edifício ou na sua fachada para ver que há dezenas deles.
A pacífica convivência com os macacos é a cara da Índia, país com 18 línguas oficiais, quatro principais religiões e uma coalizão de sustentação ao primeiro-ministro Manmohan Singh que reúne duas dúzias de partidos. "A Índia é a maior democracia da Ásia; o Brasil, da América do Sul, e a África do Sul, do continente africano. Juntas, as três democracias vão ter impacto globalmente. Tratamos de questões que preocupam os países em desenvolvimento e precisamos trabalhar juntos", diz o ministro de Relações Exteriores Anand Sharma, político duro, que não gosta de ser interrompido e que lembra Fidel Castro na forma de se vestir.
Na próxima semana, no Brasil, Sharma participará das discussões sobre o aprofundamento do acordo de preferências tarifárias entre o Mercosul e a Índia e do lançamento oficial do grupo de estudos para um acordo de livre comércio entre o Mercosul, a Índia e o Sacu (União Aduaneira da África Austral, que reúne Botsuana, Lesoto, Namíbia, África do Sul e Lesoto).
Se concretizado, o acordo trilateral de livre comércio entre os países em desenvolvimento será inédito no mundo. Mas é difícil acreditar que será possível chegar a um consenso tão cedo quando nem mesmo o acordo de preferência tarifária fechado em março do ano passado foi colocado em prática. Falta a aprovação do Congresso brasileiro e também argentino.
O acordo de preferências reúne 900 produtos - 450 da Índia e 450 do Mercosul - e não inclui produtos sensíveis, como agrícolas e automotivos. Na maior parte dos casos, há preferências (descontos) de 10% a 20% nas tarifas aplicadas. Em alguns casos, a preferência chega a 100%.
Sharma diz que não vê conflito de interesses entre o Brasil e a Índia, embora ambos sejam concorrentes em alguns produtos. "A competição é boa. Sem ela, a sociedade ficaria estagnada. Mas não vejo conflito. Temos que olhar para as complementaridades", afirmou.
Ele se esquivou de comentar as declarações do vice-ministro de Comércio da Índia, Jairam Ramesh, que, na semana passada, disse que a idéia de que Índia e Brasil são aliados naturais era "um pouco ingênua", porque ambos são concorrentes em produtos manufaturados e têm interesses divergentes em agricultura e serviços. "Está muito claro que somos parceiros estratégicos", limitou-se a dizer Sharma. (RB)